Maurício Costa Romão
Proclamados os resultados do pleito proporcional de 2012, renovaram-se, urbi et orbi, as críticas ao sistema vigente no Brasil, particularmente quanto à não eleição dos candidatos mais votados.
Na segunda-feira, dia 29/10/2012, a Folha de S.Paulo publicou artigo do senhor Marco Antônio Ramos de Almeida (“Nossos vereadores sem representatividade”), no qual argumenta que é comum o cidadão ser acusado de não lembrar em que parlamentar votou na última eleição: “É que, normalmente, a imensa maioria do eleitorado vota em candidatos que não são eleitos”.
Referindo-se especificamente à eleição municipal de São Paulo, o articulista exemplifica: “… 67 candidatos não eleitos tiveram, cada um deles, mais votos que o candidato eleito menos votado (que teve apenas 8.722 votos). Esses números demonstram a absoluta incongruência do atual sistema adotado no Brasil para a eleição de vereadores e deputados – o sistema proporcional”.
Como alternativa ao modelo atual, o autor sugere o sistema distrital de eleição de parlamentares cujo maior mérito consiste em referendar a vontade do eleitor: os candidatos mais votados são os eleitos. Este atributo – exaltado algumas vezes como “verdade eleitoral” – está presente em qualquer dos subsistemas majoritários: no distrital puro, no distrital misto ou na vertente tupiniquim do distritão.
Por seu turno, o sistema proporcional de lista aberta praticado no país carece dessa desejável propriedade, visto que, por este mecanismo, nem sempre os candidatos mais votados ascendem ao Legislativo, enquanto outros, menos votados, podem fazê-lo.
Não será o caso então de substituir o modelo proporcional pelo majoritário? Não!
É oportuno lembrar, de início, que é inapropriado falar-se de superioridade de um sistema eleitoral sobre outro. Todos têm méritos e deméritos, vantagens e desvantagens. Determinados atributos desejáveis são satisfeitos por alguns, mas não o são por outros, e nenhum sistema satisfaz a todos os atributos. Não existe sistema eleitoral ideal, perfeito, e não há nenhum método de divisão proporcional justo.
O que distingue o sistema proporcional é o princípio de que Parlamento deve refletir a pluralidade que caracteriza o meio social, de sorte que se assegure representação aos diversos grupos da sociedade na razão direta de sua importância numérico-eleitoral. O corolário desse pluralismo político é que os assentos legislativos sejam ocupados de acordo com a proporção de votos obtida pelos partidos através dos seus candidatos mais votados.
Acontece que os candidatos mais votados dos partidos não são necessariamente os candidatos mais votados da eleição, ou que têm mais votos do que os candidatos não eleitos. Distorção que altera a vontade do eleitor, potencializada pelo nefasto mecanismo das coligações.
Bem, então o sistema proporcional tem o mérito de possibilitar representação parlamentar para os diversos grupos sociais, inclusive para as minorias, mas tem o grave defeito de não incorporar a verdade eleitoral na sua concepção, apanágio exclusivo do modelo majoritário: sempre e invariavelmente os candidatos mais votados serão os eleitos, independente de que partidos provenham.
Mas a presença da verdade eleitoral no sistema majoritário gera uma distorção tão grave quanto a sua ausência no sistema proporcional: não há garantia de representação plural da população no Parlamento, especialmente para as minorias. Os mais votados são, geralmente, os que podem mais, em especial num ambiente de grande prevalência, não republicana, do poder econômico.
E como os mais votados são os eleitos, independente de que partido sejam egressos, tende a haver concentração de votos nos partidos mais fortes e conseqüente aniquilamento de agremiações menos pujantes, exacerbando a ausência de partilha equilibrada do poder político.
Ademais, se não houver depuração dos vícios e deformações que circundam o atual sistema brasileiro (compra de votos, cauda eleitoral, siglas de aluguel, puxador de votos, prevalência do poder econômico, fragilização partidária, caixa 2, etc.), o novo modelo já nascerá inexoravelmente contaminado.
Ora, se os sistemas eleitorais se equivalem, qual a razão de importar uma alternativa ao que vige aqui há 67 anos? Por que não fazer uma exegese do existente e eliminar suas principais distorções?
As contrariedades à vontade do eleitor no modelo vigente, por exemplo, podem ser minimizadas através de três correções legal e operacionalmente muito simples: (1) instituindo proporcionalidade entre votos e cadeiras no âmbito das coligações; (2) impedindo o transbordamento de votos dos puxadores de voto para seu partido ou coligação; e (3) permitindo que os partidos que não alcancem o quociente eleitoral participem da distribuição de sobra de votos.
Já se mostrou* que tais correções imprimem grande melhoria qualitativa ao atual mecanismo, ensejando muito mais respeito à vontade do eleitor, sem prejuízo, naturalmente, de outros aperfeiçoamentos que venham a ser incorporados.
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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e de Mercado, e do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br. https://mauricioromao.blog.br.
*Vide nosso livro, recém-lançado, “Eleições de deputados e vereadores: compreendendo o sistema em uso no Brasil”, Editora Juruá, 2012.