UMA NOVA ABORDAGEM DO MODELO BRASILEIRO DE DISTRIBUIÇÃO DE VAGAS LEGISLATIVAS E SOBRAS ELEITORAIS (Nota Técnica 2 – continua)

UMA NOVA ABORDAGEM O MODELO BRASILEIRO

 DE DISTRIBUIÇÃO DE VAGAS LEGISLATIVAS E SOBRAS ELEITORAIS

 (Nota Técnica 2 – continua)

Maurício Costa Romão

2. Vagas legislativas e sobras eleitorais no Brasil

No Brasil, desde 1950, usa-se a fórmula D’Hondt, também chamada de fórmula das maiores médias, para proceder à partição de vagas legislativas  entre os partidos ou coligações que ultrapassaram o quociente eleitoral (os partidos ou coligações estão impedidos pela legislação de ascender ao Parlamento se não atingirem ou superarem o QE). São vários os passos envolvidos no processo de distribuição de vagas parlamentares entre os partidos ou coligações que concorrem aos pleitos proporcionais no País, numa combinação do método D’Hondt com o QE (ou quota Hare).

Verifica-se inicialmente que partidos ou coligações superaram o QE. Somente aqueles que lograram ultrapassá-lo ficam habilitados a assumir cadeiras no Legislativo. Daí, então, se inicia o processo de distribuição de cadeiras entre os partidos ou coligações, definindo a quantidade que caberá a cada um. Esse processo requer primeiro computar as votações individuais dos partidos ou coligações para se saber em quantas vezes essas votações superaram o QE.

O cômputo dessas votações individuais nada mais é do que o cálculo do quociente partidário, que estabelece a alocação inicial de cadeiras entre partidos ou coligações. Depois, com o emprego do método das maiores médias, ou método D’Hondt das maiores médias, é que se faz a partição de sobra de votos para a alocação final de cadeiras entre partidos ou coligações.

Para melhor compreensão desses vários passos, utilizou-se, como ilustração empírica, os resultados da eleição 2010 para deputado estadual em Pernambuco.

2.1 Primeiro passo: quociente eleitoral e quociente partidário

O quociente eleitoral

Como já conceituado, o quociente eleitoral representa o número de votos válidos por cadeira no Parlamento:

 QE = VV / C                                                                            (1)

O cálculo do QE é a fase inicial do processo de distribuição de vagas entre partidos e coligações, a fase de “credenciamento”, por assim dizer. Só avançam além dessa etapa agremiações ou alianças que lograrem ter votos válidos maiores que o QE. Por exemplo, na eleição para deputado estadual em Pernambuco em 2010, o QE foi de 91.824 votos válidos. Uma coligação (PTN- PRTB) e três partidos (PSOL, PCB e PSTU) não o alcançaram, ficando fora da disputa de vagas (vide Tabela 1).

O quociente partidário

Superada essa fase de credenciamento, sabendo-se já que partidos ou coligações têm direito a ocupar vagas no Parlamento, a questão seguinte é definir como se dará esse preenchimento, em outras palavras, como se determina o número final de cadeiras que caberá a cada partido ou coligação.

Para tanto, há de se olhar inicialmente para as votações individuais dos partidos ou coligações. Já se sabe que tais votações são maiores do que o QE. No contexto do exercício numérico apresentado anteriormente, a lógica recomenda que se um determinado partido ou coligação teve o dobro de votos válidos em comparação com o QE, então, nada mais justo que tenha direito a duas vagas no Legislativo, visto que sua votação “vale” duas vezes o QE. Se, por acaso, conseguiu superar o QE em cinco vezes, então se habilitou a conquistar cinco cadeiras, e assim por diante.

Na trilha dessa lógica, considere-se, agora, o quociente partidário QPj do partido ou coligação j (j = 1, 2, …, n), que resulta da divisão dos votos válidos do partido j pelo QE da eleição:

QPj = VVj / QE,                                                                       (2)

onde VVj são os votos válidos do partido j.

Este quociente QPj indica quantas vezes a votação do partido ou coligação j supera o QE. O QPj define, portanto, a quantidade inicial de cadeiras que cabe ao partido ou coligação j. Se o quociente fosse um número inteiro, a quantidade inicial e final de cadeiras do partido ou coligação j seria igual. 

Usando a eleição 2010 para deputado estadual em Pernambuco como ilustração, pince-se da Tabela 1 um partido qualquer, o PHS, por exemplo, que teve 241.853 votos válidos. Então, VVphs = 241.853. Como QE = 91.824, o quociente partidário do PHS, QPphs, é igual a:

QPphs = VVphs / QE

QPphs = 241.853  / 91.824

QPphs = 2,634

Tabela 1 – Eleição 2010 em Pernambuco: votação para deputado estadual

Então, pelo raciocínio exposto acima, o partido PHS teria direito a 2,633 cadeiras no Legislativo de Pernambuco, que tem um total de 49 cadeiras. A Tabela 1 mostra os QPs de todos os partidos ou coligações (os QPs abaixo do QE não precisam ser calculados, porque os partidos ou coligações aos quais estão associados foram eliminados da disputa de sobras e são apresentados na tabela apenas para ilustrar o fato de que o somatório total dos QPs dá exatamente o número de cadeiras do Parlamento).

Substituindo-se agora (1) em (2), tem-se:

QPj = C. VVj / VV                                                                    (3)

Note-se em (3) que VVj / VV nada mais é do que a proporção de votos válidos do partido ou coligação j em relação ao total de votos válidos de todos os partidos e coligações. Essa proporção dá uma ideia da importância do partido ou coligação j no pleito em termos de votação recebida.

Se, por exemplo, essa proporção for igual a 0,5, isso que dizer que o partido ou coligação j recebeu metade de todos os votos válidos do pleito, portanto, teria direito à metade das cadeiras do Parlamento. Tomando como suposto que o número total de cadeiras é igual a 10 (C=10), como no exemplo simples discutido anteriormente, QPj seria igual a 5, usando a expressão (3).

Do ponto de vista do exemplo do PHS, os votos válidos desse partido naquele pleito foram de 241.853 votos. e os votos válidos totais de todos os partidos e coligações somaram 4.499.401 votos, quer dizer:  VVphs = 241.853  e VV = 4.499.401 e C = 49. Portanto:

QPphs = C. VVphs / VV

QPphs = 49 x 241.853 / 4.499.401

QPphs = 49 x 0,0537

QPphs = 2,634                                                                         (4)

Observe-se, ainda, que a proporção VVj / VV em [3] é sempre maior que zero e menor que um, quer dizer:

0 ‹  VVj / VV  ‹ 1                                                                      (5)

Com efeito, (5) não pode assumir o valor igual a um porque, nesse caso, só um partido teria “disputado” a eleição, ficando com todas as cadeiras, o que é incompatível com o sistema pluripartidário e o regime democrático de representação parlamentar. É claro que também não faz sentido VVj / VV ser igual a zero, situação em que VVj teria de ser zero, o que é impossível se o partido j estiver concorrendo à partição de sobras (caso em que VVj tem de ser positivo, pois é maior do que o QE).

Por conta de (5), então, QPj em (3) é sempre e invariavelmente composto por uma parte inteira C, e outra fracionária, VVj / VV. O produto da parte inteira com a fracionária é que pode eventualmente resultar num número apenas inteiro, embora essa possibilidade seja rara. No exemplo do PHS:

QPphs = 2,634            

 parte inteira         parte fracionária

Resumo do primeiro passo

É oportuno resumir o que se tem até agora em termos dos quocientes eleitoral e partidário:

Primeiro, calcula-se o QE e verifica-se que partidos ou coligações o atingiram. Aqueles que o fizeram ficam habilitados a assumir cadeiras no Legislativo (partidos ou coligações que estão postados acima do QE da Tabela 1, por exemplo). Aqueles que não conseguiram ficam impedidos dessa primazia.

Segundo, identificados os partidos ou coligações que tiveram votação superior ao QE, parte-se para a distribuição de cadeiras entre eles, determinando quantas caberão a cada um.

Terceiro, para distribuir as cadeiras, é necessário, inicialmente, observar as votações individuais dos partidos ou coligações com vistas a se saber em quantas vezes essas votações superaram o QE (em outras palavras, calcula-se o quociente partidário de cada partido ou coligação). O número de vezes em que essa superação se der será a quantidade de cadeiras que o partido ou coligação poderá assumir.

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