TIRIRICA PUXOU PROTÓGENES E SIRAQUE, E CHALITA ALÇOU CAMINHA

Maurício Costa Romão

O sistema proporcional brasileiro tem a peculiaridade de gerar um fenômeno que contraria visivelmente a vontade do eleitor e depõe contra sua já desgastada imagem: o do puxador de votos.

Trata-se de candidato campeão de votos, que se elege ultrapassando individualmente o quociente eleitoral (QE), arrastando consigo outros postulantes do partido ou coligação, com votação bem menor, e não raro, inexpressiva. Isso acontece porque, qualquer que seja a votação destes postulantes, eles podem ser eleitos desde que estejam entre os mais votados do partido ou coligação.

A evidência empírica mais famosa desse fenômeno foi a da eleição de Dr. Enéas Carneiro, no pleito de 2002, para deputado federal em São Paulo. Por causa de sua extraordinária votação (1.573.642 votos), o Dr. Enéas ajudou a eleger mais cinco parlamentares, sendo que quatro deles tiveram menos de 700 votos (673, 484, 382 e 275 votos respectivamente) e o quinto, o de melhor desempenho, conseguiu 18.421 votos.  

Para se ter uma ideia dessa deformação do sistema, os cinco candidatos não eleitos mais votados naquele pleito obtiveram, respectivamente: 127.997; 109.442; 105.995; 102.325 e 100.149 votos, ou seja, todos acima de 100 mil votos!

Outro exemplo recente, de puxador de votos, foi o da eleição para deputado federal em 2010, também em São Paulo, episódio de grande repercussão no País.

O então candidato Francisco Everardo Oliveira Silva, Tiririca (PR-SP), obteve surpreendentes 1.353.820 votos, equivalentes a 70,2% da votação total do seu partido, o PR. Os votos de Tiririca representam quase 20,0% de todos os votos da Coligação Juntos por São Paulo, da qual seu partido fez parte (composta ainda por PRB, PT, PCdoB e PT do B).

Como o QE daquele pleito foi de 313.893 votos válidos, isso significa que a votação excedente de Tiririca alcançou 1.039.927 de votos, os quais ficaram disponíveis para auxiliar na ascensão ao Parlamento federal de outros candidatos da mencionada coligação.

Impedindo transferência de votos do puxador

Para evitar que a votação dos puxadores tenha influência (spillover) na eleição de candidatos de partidos ou coligações, é preciso promover uma pequena e simples mudança na sistemática atual de apuração de votos (vide, do autor, “Eleições de deputados e vereadores: compreendendo o sistema em uso no Brasil”. Editora Juruá, 2012.)

Operacionalmente, trata-se de determinar os votos válidos da eleição e o quociente eleitoral em duas etapas, mediante os seguintes passos:

a) procedem-se aos cálculos normais dos votos válidos do pleito e do quociente eleitoral, como feito atualmente;

b) estarão eleitos por mérito próprio, como já ocorre hoje, os candidatos que individualmente superaram o quociente eleitoral – os puxadores de voto;

c) subtrai-se do total de votos válidos de cada partido ou coligação, cujo candidato ultrapassou o quociente eleitoral, a quantidade de votos desse candidato;

d) realiza-se nova contagem dos votos válidos do pleito e determina-se o novo quociente eleitoral;

e) faz-se, daí em diante, como no sistema vigente, alocando-se as vagas restantes de acordo com o quociente partidário e o método D’Hondt de distribuição de sobras.

Enfatize-se que o excedente de votos do puxador sobre o QE não se transfere para o partido ou coligação como no atual sistema, porque a votação dele, puxador, já eleito, não entra nos cálculos dos votos válidos da segunda etapa.

Aplicando essa sistemática que evita transbordamento de votos do puxador, no exemplo de Dr. Enéas, ele estaria merecidamente eleito, contudo sua votação não arrastaria ninguém mais com ele. Seus 1.573.642 votos seriam subtraídos da votação total do Prona (1.680.774), ficando o partido com apenas 107.132 votos, quantidade inferior ao novo quociente eleitoral. A sigla não elegeria ninguém além do Dr. Enéas.

Ainda pelo modelo sugerido, a coligação pela qual Tiririca disputou a eleição reduziria sua bancada de 24 para 22 deputados. Neste caso estariam fora da Câmara dos Deputados o delegado Protógenes do PCdoB e Vanderlei Siraque do PT, os de menor votação da aliança.

Na mesma eleição paulista de 2010, identificaram-se mais dois candidatos que, individualmente, ultrapassaram o QE do pleito no estado sendo, portanto, considerados puxadores de voto: Gabriel Chalita, então do PSB, e Paulo Maluf (PP).

Caso se implementasse a proposta descrita acima,  o excedente de votos do deputado Paulo Maluf não alteraria a bancada do PP, partido que disputou a eleição isoladamente. Já a Coligação Preste Atenção São Paulo (PSL/PSB), que elegeu sete deputados, perderia um (Abelardo Caminha do PSB) com o expurgo dos votos de Gabriel Chalita.

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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e de Mercado, e do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br. https://mauricioromao.blog.br.

 

 

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