Jornal do Commercio, em 24.03.2011
Os ministros decidiram, por seis votos contra cinco, que a Lei da Ficha Limpa não pode ser aplicada nas eleições de 2010. Com isso, os candidatos que concorreram sub judice deverão assumir cadeiras
BRASÍLIA – Por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou ontem que a Lei da Ficha Limpa não pode ser aplicada nas eleições de 2010. Haverá reviravolta na composição de assembleias legislativas e do Congresso Nacional: políticos que tinham sido impedidos de se candidatar, mas, ainda assim, concorreram, poderão ter seus votos validados. Há no STF recursos de 29 políticos nesta situação. Agora, essas candidaturas terão de ser legitimadas — como a de Jader Barbalho (PMDB-PA), João Capiberibe (PSB-AP) e Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), que concorreram sem registro a uma cadeira no Senado e obtiveram votos suficientes para serem eleitos. No caso dos deputados, será preciso refazer o cálculo dos votos do legislativo (o quociente eleitoral) para saber quem sai e quem entra.
Ano passado, o STF julgou um recurso no qual Jader questionou o início dos efeitos da lei. A votação terminou em empate e os ministros optaram por manter a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que determinara a aplicação da lei em 2010. O impasse ocorreu porque a composição do STF estava incompleta desde agosto de 2010, quando Eros Grau se aposentou. O ministro Luiz Fux foi nomeado para a vaga no último dia 3, com a missão de desempatar a votação. Ontem, o novato votou contra a validade da lei na última eleição.
A decisão foi tomada no julgamento do recurso do deputado estadual Leonídio Bouças (PMDB-MG), que teve o registro de candidatura negado porque fora condenado por improbidade administrativa – um dos impedimentos para disputar as eleições, segundo a lei. Fux ressaltou que o artigo 16 da Constituição Federal impede mudanças na regra eleitoral a menos de um ano da votação. A Lei da Ficha Limpa foi editada em 7 de junho de 2010.
“Nem o melhor dos direitos pode ser aplicado contra a Constituição”, disse. “Não resta a menor dúvida de que a criação de novas inelegibilidades no ano da eleição efetivamente inaugura regra nova inerente ao processo eleitoral, o que é vedado pela Constituição Federal, a doutrina e a jurisprudência da Casa”.
Segundo Fux, o artigo 16 é uma garantia para eleitores e candidatos, “pois evita surpresas e casuísmos às vésperas das eleições”. Fux aproveitou para elogiar a iniciativa da lei. “A Lei da Ficha Limpa, no meu modo de ver, é um dos mais belos espetáculos democráticos, posto que é uma lei de iniciativa com escopo de purificação do mundo político”, declarou, logo no início do voto. Mas ponderou em seguida: “Um dispositivo popular, ainda que oriundo da mais legítima vontade popular, não pode contrariar regras expressas no texto constitucional”.
Os demais ministros mantiveram suas posições expressas no julgamento do caso Jader. Votaram contra a aplicação imediata: Gilmar Mendes, José Antônio Dias Toffoli, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e o presidente da Corte, Cezar Peluso. Joaquim Barbosa, Carlos Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Ellen Gracie defenderam a validade para 2010.
No início da sessão, o STF decidiu que o julgamento teria repercussão geral. Ou seja, ao julgar outros recursos semelhantes, os ministros ficam obrigados a seguir o mesmo entendimento firmado ontem. Os recursos não precisarão ser submetidos ao plenário e serão julgados por um ministro.