Por Maurício Costa Romão
Artigo do autor publicado na Folha de Pernambuco, em 03/02/2011
“…há legendas que escolhem candidatos sem preparo para a vida parlamentar, mas que têm grande apelo eleitoral e podem atuar como puxadores de votos para o partido ou a coligação. Dessa forma, os brasileiros acabam elegendo candidatos em quem nem pretendiam votar ou que nem conhecem”. Senador Francisco Dornelles (PP-RJ), idealizador do ““Distritão”” [notícia da ABN, dia 21/02/2011].
No processo de discussão do núcleo central da reforma política – a sistemática de eleição de deputados e vereadores – o PMDB tem defendido a eleição de parlamentares pelo voto majoritário, numa variante do sistema distrital puro – o chamado “distritão” – em que a circunscrição eleitoral seria um grande distrito (o estado, o município).
Um dos argumentos mais usados pela cúpula pmdbista é que a adoção do modelo majoritário, em que são eleitos os candidatos mais votados, independente do partido a que pertençam, eliminaria uma excrescência do mecanismo proporcional em vigor, segundo a qual postulantes com votações irrisórias são guindados ao Parlamento arrastados por grandes votações dos chamados puxadores de voto.
O presente texto não discute o mérito da proposta do distritão. Seu intento é simplesmente apresentar, no âmbito do atual sistema proporcional, uma metodologia que elimina a possibilidade de candidatos olímpicos tornarem-se parlamentares com sobras eleitorais dos puxadores de votos.
Sob o risco de redundância, é oportuno ilustrar o problema dos campeões de votos com uma evidência empírica famosa: a eleição de 2002 para deputado federal, em São Paulo: O quociente eleitoral daquele pleito foi de 280.247 votos. O PRONA obteve 1.680.774 votos válidos, conquistando seis cadeiras. Entretanto, só o Dr. Enéas Carneiro, candidato desse partido, teve 1.573.642 votos.
Com essa votação, o Dr. Enéas ajudou a eleger mais cinco candidatos para a Câmara Federal, sendo que quatro deles obtiveram menos de 700 votos (673, 484, 382 e 275 votos, respectivamente) e o quinto, o de melhor desempenho, conseguiu 18.421 votos.
Para se ter uma idéia dessa deformação do sistema, que contraria visivelmente a vontade do eleitor, os cinco não eleitos mais votados naquele pleito obtiveram, respectivamente: 127.997; 109.442; 105.995; 102.325 e 100.149 votos, ou seja, todos acima de 100 mil votos.
Para se extinguir o “efeito Enéas” há que se achar um mecanismo que impeça o transbordamento de votos do puxador para o partido (na presente proposta o puxador de votos é aquele candidato cuja votação excede o quociente eleitoral). Operacionalmente, trata-se de determinar os votos válidos da eleição e o quociente eleitoral em duas etapas:
(a) Procede-se aos cálculos normais dos votos válidos do pleito e do quociente eleitoral, como é feito atualmente;
(b) Os candidatos que individualmente superaram o quociente eleitoral – os puxadores de votos – estarão eleitos por mérito próprio, como já acontece hoje;
(c) Subtrai-se do total de votos válidos de cada partido, cujo candidato ultrapassou o quociente eleitoral, a quantidade de votos desse candidato;
(d) Faz-se nova contagem dos votos válidos do pleito e determina-se o novo quociente eleitoral;
(e) Daí em diante procede-se como no sistema vigente, alocando-se as vagas restantes de acordo com o quociente partidário e a distribuição de sobras.
Enfatize-se que o excedente de votos do puxador sobre o quociente eleitoral não se transfere para o partido, como acontece no atual sistema, posto que a votação dele, puxador, já eleito, não entra nos cálculos dos votos válidos da segunda etapa.
No exemplo de Dr. Enéas, ele estaria merecidamente eleito, contudo sua votação não arrastaria ninguém mais com ele. Os seus 1.573.642 votos seriam subtraídos da votação total do PRONA (1.680.774), ficando o partido com apenas 107.132 votos, quantidade inferior ao novo quociente eleitoral. A sigla não elegeria ninguém, além do Dr. Enéas.
Vê-se, assim, nessa configuração, que estaria definitivamente afastada a possibilidades de candidatos com votações ínfimas ascenderem ao Parlamento. Naturalmente há vários casos em que, depois da supressão dos votos do puxador, o partido ainda fique com votação suficiente para superar o quociente eleitoral da segunda etapa e eleja um ou mais candidatos, além do seu campeão de votos. Esta situação, todavia, reflete o fato de que o partido em questão tem em suas fileiras não só o puxador de votos mas, também, outros candidatos com musculatura eleitoral.
O mecanismo ora proposto (mais detalhado em outro texto do autor: “Reforma Política: Sugestões de Aperfeiçoamento do Modelo Proporcional de Eleições no Brasil”), preserva o direito indiscutível do afortunado de votos de participar do processo eleitoral, ser eleito com júbilo, porém evita que sua votação excedente ao quociente eleitoral seja transferida para candidatos franco-atiradores, de poucos votos, em detrimento de postulações mais representativas.
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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e de Mercado, e do Instituto de Pesquisas Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br