Sérgio Montenegro Filho
Jornal do Commercio, em 03.04.2011
Início dos trabalhos das comissões de reforma política na Câmara e Senado estimula engajamento de entidades civis, que querem opinar nas discussões
A discussão sobre reforma política começa – ainda que de forma tímida – a atrair as atenções da sociedade civil. Embora o projeto, atualmente em discussão no Congresso Nacional, tenha potencial para modificar significativamente o sistema eleitoral brasileiro, hoje desgastado e cheio de brechas jurídicas, o tema ainda não havia despertado o interesse do cidadão, ressabiado pelas sucessivas tentativas frustradas de levar a reforma a cabo no Legislativo.
Mas há cerca de dez dias, com o início das audiências públicas na Comissão Especial de Reforma Política da Câmara, o quadro de desinteresse começou a mudar. Houve o engajamento definitivo de entidades importantes, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral.
Na semana passada, a mobilização ganhou ainda mais corpo com outras entidades se incorporando à luta, aglutinadas em dois grupos: a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Reforma Política – que inclui deputados e representantes da sociedade civil – e a Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político Brasileiro, formada por 31 entidades, que no último dia 30 disponibilizou na internet um site para divulgar as propostas que pretende submeter ao Congresso Nacional (www.reformapolítica.org.br). Embora divididas em duas frentes, essas entidades têm o objetivo comum de pressionar o Legislativo para evitar um novo recuo nas discussões sobre mudanças no sistema eleitoral e partidário do País.
Em Pernambuco, estudiosos, profissionais liberais, empresários e representantes de outros segmentos da sociedade também mergulharam no debate sobre a reforma política. Alguns deles tiveram seus depoimentos publicados pelo JC ao longo da semana passada. Dos dez pontos principais do projeto em discussão no Congresso (veja quadro nesta página), cinco foram selecionados como prioritários por esses interlocutores: financiamento público de campanhas, voto distrital misto, fim das coligações proporcionais, fim da reeleição e cláusula de barreira. Mas há outras questões de igual importância que deverão também entrar na pauta de discussões.
Uma pauta ainda vista com certa descrença por especialistas no Estado. Para eles, a reforma é urgente, mas precisa ser profunda, e não ficar limitada às questões eleitorais, como vem sendo colocada no Congresso Nacional. “Nos últimos anos, tem-se alimentado a falsa ideia de que a reforma dos sistemas eleitoral e partidário resolverá quase todos os problemas que afetam a representação política e a democracia no Brasil. Essa ideia é apenas parcialmente verdadeira, porque não existem sistemas perfeitos. Assim, apesar de necessária, a reforma não será a panacéia de velhos e recorrentes problemas da nossa esfera política”, adverte o cientista político Túlio Velho Barreto, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco. Para ele, as mazelas só serão realmente corrigidas com um processo de mudanças de longo prazo, que inclua investimentos em educação formal, sobretudo no ensino básico, e a profissionalização do serviço público, com o fim da distribuição de cargos por apadrinhamento.
Já o professor Michel Zaidan, do Mestrado em Ciência Política da UFPE, vê o próprio Congresso como problema mais grave a ser tratado na reforma política. “Um Legislativo despreparado, lento e fragmentado termina tendo suas funções suplantadas pela agilidade do Judiciário e pelo ativismo do Executivo”, diz, acrescentando que se isso não for revisto, a reforma ficará limitada a tópicos que não vão mudar a relação desigual entre os poderes. Zaidan, porém, culpa os próprios parlamentares pelo problema. “Essa reengenharia não acontece porque os congressistas fazem cálculos mesquinhos de quantas cadeiras vão perder, quantos votos deixarão de ganhar com as mudanças. Puro casuísmo, que impede o andamento da verdadeira agenda da reforma que está posta”, conclui.
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