REFORMA POLÍTICA: DISCUSSÃO EMPERRADA

 

 

Por Maurício Costa Romão

Há nada menos que cinco legislaturas que se discutem mudanças no atual sistema político-partidário-eleitoral brasileiro no Congresso Nacional (abreviadamente “reforma política”), sem que se tenha alcançado avanços significativos. Tanto assim é que, só recentemente, apenas duas propostas reformistas chegaram a ser aprovadas no plenário da Câmara dos Deputados: a Lei Ficha Limpa e o Projeto de Fidelidade Partidária.

Embora a pauta tenha voltado com força na nova legislatura federal, houve várias dificuldades de o assunto evoluir com extensão e profundidade requeridas. Para começar, é quase consensual entre analistas e grande parte dos próprios parlamentares que houve um erro de encaminhamento inicial em formar duas Comissões Especiais para discutir o assunto, uma no Senado e outra na Câmara. Puro desperdício de tempo e energia. As duas Casas têm ritos e visões distintas sobre os diversos aspectos processuais e de conteúdo que circundam a matéria em apreço. As Comissões eram esperadas convergir mais adiante, porém cada uma falando uma linguagem diferente, o que suscita a fundamentação de que uma Comissão Mista das duas instâncias poderia traduzir-se em melhores resultados.

No que diz respeito ao núcleo central da reforma – a sistemática de eleição de deputados e vereadores – os dois maiores partidos da Câmara defendem posições antagônicas (PT, o voto proporcional em lista pré-ordenada; o PMDB, o voto majoritário na modalidade do distritão). Esses dois partidos têm, juntos, 163 parlamentares, mais de um terço da Casa. Os dois outros grandes e influentes partidos, PSDB e DEM, não marcaram posição e o Centrão – conjunto de pequenos, médios e grandes partidos que domina numericamente o legislativo – não encetou nenhum movimento claro de que quer introduzir novas experiências de sistemas eleitorais no Brasil. Até porque uma boa parte dos parlamentares da nova legislatura, principalmente os que foram eleitos por agremiações médias e pequenas, muitos dos quais beneficiados pela atual sistemática eleitoral, defende a manutenção pura e simples do modelo proporcional de lista aberta em vigor no país.

Outro fator que muito contribuiu para o não avanço das discussões sobre sistemas eleitorais foi a ausência do Executivo nos debates. Ficou patente que qualquer mudança nas eleições de parlamentares só avançaria se o governo usasse de sua força política, mobilizando a ampla base aliada das duas Casas em favor de determinado modelo. Como não o fez, o assunto esgotou-se naturalmente.

Não obstante o debate sobre a reforma haja ocupado espaço generoso na mídia e despertado atenção de estamentos mais esclarecidos da coletividade, o fato é que o assunto não empolgou a sociedade, a ponto de ensejar grandes mobilizações de pessoas e entidades. A discussão ficou adstrita a segmentos pertinentes: classe política, acadêmicos, analistas e mídia. Parte desse alheamento deve-se à natureza mesma do assunto, pouco compreensível para a maioria. Parte, tributa-se à inversão de prioridades: será que não seria mais apropriado e urgente discutir uma reforma política lato sensu, incluindo as relações institucionais entre o Congresso e o Executivo, hoje marcada pela subserviência homologatória daquele ante este? Ou discutir a progressiva perda de prerrogativas legislativas do Congresso perante o Judiciário, a chamada judicialização? Ou não seria mais prioritário debater a questão federativa, em particular, a almejada reforma tributária? Um resumo esquemático dessas dificuldades iniciais do debate sobre mudanças de sistema eleitoral está apresentado na ilustração a seguir.

Cada um dos modelos de eleições parlamentares e suas variantes têm vantagens e desvantagens, dependendo de como são vistos pelos seus aderentes e adversários. Uma característica eles têm em comum, todavia: afora, naturalmente, o modelo proporcional de lista aberta, nenhum outro foi testado no Brasil, País federativo, de dimensões continentais, com grandes diferenças regionais – políticas, econômicas e culturais. A adoção de qualquer um deles encetaria uma grande reviravolta no sistema presentemente em uso e esse ponto tem tido um enorme peso nas sucessivas postergações da reforma político-eleitoral no Congresso. 

A importação de novos modelos de eleições de deputados e vereadores esbarra, portanto, em vários obstáculos, alguns dos quais já mencionados. Pode-se adicionar ainda outras dificuldades não menos importantes:

(a)   ruptura com o modelo proporcional vigente, tradição eleitoral que já perdura 65 anos no sistema brasileiro;

 (b)   complexidades de alguns sistemas; por exemplo, os distritais, exceto o distritão – em que a jurisdição eleitoral é o município ou o estado – começam com um grande desafio político-operacional: demarcação dos distritos eleitorais (no Reino Unido, que adota o distrital puro, há 646 distritos, com tamanhos variando de 35.000 a 110.000 eleitores); o distrital misto, ainda por cima, combina o modelo majoritário com o proporcional, em que o eleitor vota duas vezes;

(c)    medo do novo, do inusitado, do experimento. Se o parlamentar tem sido e está sendo eleito pela modalidade em vigor, por que correr o risco de adotar uma sistemática diferente?

 (d)   excesso de propostas apresentadas individualmente por parlamentares, sem as respectivas adesões partidárias, dificultando convergência para pontos fundamentais.  

Como se pode depreender do acima exposto não é surpresa que a propalada reforma política, no que tange à mudança de sistema eleitoral, haja malogrado, mais uma vez.

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