REFORMA POLÍTICA, DEUS ME LIVRE!

 

João Mellão Neto

O Estado de S.Paulo, 10/12/2004

A reforma política é como certas feministas: todo mundo elogia, mas ninguém sedispõe a desposá-las. Ainda esta semana os parlamentares decidiram adiá-la para o ano que vem. No ano que vem vão dizer a mesma coisa. E por aí vai. Todos concordam que ela é necessária e urgente. Mas ninguém se dispõe a implantá-la para valer. Do que se trata, afinal?

Nos Estados Unidos e na Inglaterra, duas democracias exemplares, o voto é pelo sistema distrital. Os países são divididos em numerosos distritos, tantos quanto o número de cadeiras no Parlamento. Em cada um dos distritos só pode concorrer um candidato por partido. É eleito o postulante que obtiver o maior número de votos.

A favor desse sistema se pode dizer que ele permite maior controle do parlamentar por aqueles que o elegeram. Afinal, ele reside no distrito, convive com seus eleitores e todos sabem de sua vida e de sua conduta.

Mas nem tudo é perfeito. O voto distrital acaba por eliminar qualquer chance de minorias, ou segmentos da sociedade minoritários, elegerem seus representantes. Embora existam milhões de ecologistas ou de homossexuais, nem uma corrente nem a outra elegerão um único deputado, visto que os ecologistas e os homossexuais não somam a maioria em nenhum dos distritos.

O sistema distrital tende a ungir somente aqueles indivíduos que defendem idéias que sejam consensuais ou, pelo menos, representem a média do pensamento da sociedade. Não é à toa que em ambos os países existem apenas dois grandes partidos que contam, embora seja permitido um número infinito deles.

Visto por esse ângulo, o sistema proporcional – como no Brasil – é um avanço. Ao menos na teoria, ele permite que todas as correntes de opinião elejam parlamentares identificados com suas causas. Como funciona? Da seguinte maneira: cada Estado tem direito a um número xis de cadeiras na Câmara dos Deputados; os candidatos, filiados a partidos políticos, podem amealhar votos no Estado inteiro; uma vez apurados os resultados, divide-se o número total de votos válidos pelo número de cadeiras do Estado e disso resulta um quociente eleitoral.

Digamos que esse quociente, em São Paulo, seja de 200 mil votos. Soma-se o total de votos que todos os candidatos de cada partido tiveram, mais os votos de legenda, o que dá o total de votos por partido. O partido PLZ, por exemplo, obteve 2 milhões de votos, o ue, dividido pelo quociente eleitoral (200 mil), lhe garante dez cadeiras. Os dez candidatos mais votados do partido, portanto, serão considerados eleitos.

Mas o sistema proporcional também não é perfeito. Em São Paulo, nas últimas eleições, o candidato Enéas, sozinho, teve mais de 1 milhão de votos. Com isso garantiu ao seu partido, o Prona, cinco ou seis cadeiras na Câmara dos Deputados. O resultado foi que os cinco nomes seguintes na lista do partido foram eleitos, com menos de 500 votos próprios cada um. Ao mesmo tempo, candidatos de outros partidos – que obtiveram mais de 100 mil votos pessoais – ficaram de fora. O que ocorreu com os deputados eleitos pelo Prona? Formaram todos uma bancada forte e coesa? Não. Tão logo tomaram posse, bandearam-se para outros partidos e deixaram o Enéas falando sozinho…

O sistema proporcional seria perfeito se, no Brasil, houvesse: partidos ideologicamente bem definidos, candidatos perfeitamente afinados com as idéias do partido e fidelidade partidária obrigatória. Não é, absolutamente, o caso. Os partidos no Brasil não têm consistência ideológica, os candidatos mal conhecem sequer a sua carta-programa e todos os deputados podem mudar de partido a qualquer momento. O resultado é essa geléia geral que é o nosso Congresso.

Quais são as propostas aventadas para corrigir esses problemas?

Uma delas, para garantir a fidelidade ao partido, é a de elaborar listas de candidatos fechadas. Trocando em miúdos, é o seguinte: os partidos elaborariam uma lista ordenada de candidatos e os eleitores votariam nos partidos, e não mais individualmente nos candidatos; com isso ficaria claro que os mandatos dos eleitos pertencem aos partidos, e não aos próprios deputados; quem saísse do partido automaticamente perderia o mandato para o seguinte da lista. Parece perfeito, aparentemente, mas na prática é que são elas…

Os partidos brasileiros não primam por praticar a democracia interna. Quem cuidaria de pôr ordem na lista? Muito provavelmente, os caciques do partido. Eles colocariam os afilhados nos primeiros lugares e os outros, nos últimos. Com certeza, aqueles que já detêm um mandato se imporiam como os primeiros da lista e deixariam os demais para o fim. Os atuais deputados seriam automaticamente reeleitos e os candidatos novos não teriam a menor chance. Não é lá um exemplo de democracia que se preze…

A outra idéia – para coibir o abuso econômico e a troca de favores entre os candidatos e seus financiadores – é a de se instituir o financiamento público das campanhas, ficando vedada a arrecadação de recursos pelos candidatos. O que acha disto, você, eleitor – que já paga uma fortuna em impostos -, ser agora obrigado a financiar também as campanhas eleitorais? Sem comentários…

Eu, pessoalmente, não acredito em reforma política nenhuma. Toda e qualquer proposta nesse sentido terá forçosamente de ser aprovada pelos atuais parlamentares. E alguém acredita que eles votariam em alguma coisa que não fosse em seu próprio benefício? Com idéias como estas, o mais prudente é deixar como está. Quando os gatos fazem as pazes com os ratos, quem vai a falência é o dono do armazém…

João Mellão Neto, jornalista, foi deputado federal, secretário e ministro de Estado.

Deixe um comentário