REFORMA ELEITORAL: ENTREVISTA COM MAURÍCIO COSTA ROMÃO

Por Maurício Costa Romão

Já se percebe um grande esfriamento nas discussões sobre a Reforma Política, especialmente na mudança de sistema eleitoral. Por quê?

Houve vários equívocos no encaminhamento dessa Reforma, começando pela formação de duas Comissões no Congresso, ao invés de uma Mista. Com visões de mundo diferentes, os componentes das duas Casas dificilmente apresentariam propostas convergentes. No caso da mudança de sistema eleitoral, o impasse começou logo de início, quando os dois maiores partidos do Congresso expressaram preferências diametralmente opostas sobre qual sistema adotar: o PT aderiu ao voto em lista pré-ordenada e o PMDB à invencionice do voto majoritário na modalidade distritão.

Mas esses dois partidos representam somente um terço do Congresso. E os outros?

Ficaram imprensados e acomodados nessa discussão. Dois outros grandes partidos, PSDB e DEM, não marcaram posição clara e o Centrão, conjunto de partidos e parlamentares que domina numericamente o legislativo, não quis introduzir novas experiências de sistemas eleitorais no Brasil. Note que boa parte dos parlamentares da nova legislatura foi beneficiada pela atual sistemática eleitoral e, portanto, defende a manutenção pura e simples do modelo em vigor.

O executivo poderia ter ajudado nesse processo? Parece que a opção de Dilma foi não tomar partido nesse debate.

 Esse foi outro fator que contribuiu para o não avanço das discussões. Ficou patente que qualquer mudança de sistema de eleições parlamentares só avançaria se o governo usasse de sua força política, mobilizando a ampla base aliada das duas Casas em favor de determinado modelo. Como não o fez, o assunto esgotou-se naturalmente.

 O assunto também não empolgou a sociedade.

É verdade. Não obstante o debate haja ocupado espaço generoso na mídia e despertado atenção de estamentos mais esclarecidos da coletividade, o fato é que a temática não mobilizou pessoas e entidades. A discussão ficou adstrita a poucos segmentos: classe política, acadêmicos, analistas, mídia, etc. Parte deve-se à natureza mesma do assunto, pouco compreensível para a maioria da população. Parte tributa-se à inversão de prioridades: será que não seria mais apropriado e urgente discutir uma reforma política lato sensu, incluindo as relações institucionais entre Legislativo, Executivo e Judiciário. Ou debater a questão federativa, em particular, a reforma tributária? Ou por que não depurar, fazer uma lipoaspiração no sistema vigente, ao invés de migrar para processos experimentais, nunca praticados no Brasil?

Quais são exatamente os grandes problemas no nosso sistema proporcional que causam tanta aversão?

São vários, dentre eles as coligações, responsáveis por grande parte das anomalias. Têm também as distorções famosas, tipo Enéas, Tiririca, Luciana Genro, suplência de senadores, etc., que aumentam a rejeição ao modelo. Os problemas funcionais do sistema político nacional, como corrução, ficha suja, compra de votos, infidelidade partidária, aluguel de siglas, fragilização partidária, etc., grudam no modelo, como se fossem problema do próprio, quando é uma questão mais ampla, do País, do sistema geral.

Você tem feito algumas propostas de aperfeiçoamento do modelo brasileiro. Por que não defende a mudança de modelo, já que o atual está assim tão desgastado? Não acha que é uma posição um tanto conservadora?

Esta pergunta é crucial. Não se trata de conservadorismo, mas de pragmatismo. Veja que há cinco legislaturas que se discutem mudanças no atual sistema no Congresso, sem avanços significativos. Tanto assim é que, só recentemente, apenas duas propostas reformistas chegaram a ser aprovadas no plenário da Câmara dos Deputados: a Lei Ficha Limpa e o Projeto de Fidelidade Partidária. Embora a pauta tenha voltado agora com força, já está claro que não vai acontecer nada ponderável, muito menos mudança de sistema eleitoral. Daí que tenho proposto gastar as nossas energias, aperfeiçoando o modelo que está conosco há 65 anos, que já faz parte da nossa cultura.

Mas o aperfeiçoamento de um sistema com tantas distorções não é uma tarefa hercúlea? Uma mudança não seria mais bem-vinda, não daria um novo alento ao nosso sistema?

Primeiro, é preciso deixar claro que os sistemas eleitorais se nivelam nos seus requisitos essenciais, de sorte que é inapropriado falar-se de superioridade de um sistema sobre outro. Cada qual tem seus méritos e deméritos, vantagens e desvantagens. Dizer, por exemplo, que os modelos majoritário-distritais são melhores que os modelos proporcionais é tão descabido quanto dizer o contrário. Não existe sistema de voto ideal, justo. Ora, se todos os sistemas têm vantagens e desvantagens, então migrar de um sistema para outro envolve ganhos e perdas. A pergunta correta é: vale à pena mudar? 

Do jeito que você está colocando, nenhum país muda de sistema.

É muito raro, mas muda. Itália e Japão, por exemplo, mudaram, em passado recente. Mas veja o caso do Brasil. Se a gente partir para importar um modelo qualquer sem fazer uma depuração dos vícios e deformações que circundam o atual sistema, o novo modelo já nascerá inexoravelmente contaminado. Em resumo, mudar de um sistema para outro que já tem lá os seus próprios defeitos, ademais de impregná-lo dos vícios praticados no atual é, como se diz por aí, trocar seis por meia dúzia.

Em que consiste sua proposta de melhoria do sistema atual?

A idéia básica é a de que reforma político-eleitoral tem que ser tratada como um processo, de forma contínua, não apenas no início das legislaturas, e que a depuração dos vícios do sistema precede à mudança de modelo eleitoral. Com essa filosofia, tenho apresentado três propostas, operacionalmente muito simples, que dariam um grande salto qualitativo no atual sistema: instituir proporcionalidade dentro das coligações, entre votos recebidos e cadeiras conquistadas, eliminar a possibilidade de candidatos com votações ínfimas tornarem-se parlamentares com sobras eleitorais dos puxadores de votos e, finalmente, corrigir uma incoerência do sistema, que proíbe os partidos que não alcançam o quociente eleitoral de participar da distribuição de sobras de votos. 

Essas propostas têm tido repercussão?

Na sociedade, quase nada, até porque o debate tá muito morno. Nas Comissões Especiais, idem, porque, de forma míope, elas só discutem troca, não discutem aperfeiçoamentos do atual modelo. É como se os parlamentares apostassem no impasse para que tudo fique como está. Alguns membros dessas Comissões têm até feito elogios às propostas, mas não passa disso. Não há desdobramento. O deputado federal Mendonça Filho, que não é da Comissão da Câmara, depois de ouvir especialistas e assessores, encampou as propostas e transformou-as em projetos de lei a serem apresentados quando baixar a poeira da Reforma.

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