REFORMA ELEITORAL: COLIGAÇÕES CONTAMINAM O SISTEMA PROPORCIONAL

 

Por Maurício Costa Romão

Nos debates sobre o núcleo central da reforma política no Brasil – a sistemática de eleição de deputados e vereadores – têm prevalecido, nas discussões iniciadas no Congresso Nacional, as posições opostas dos dois maiores partidos da Câmara, PMDB e PT, em que o primeiro defende a eleição de parlamentares pelo voto majoritário e o segundo pelo voto proporcional.

Percebe-se, todavia, que os argumentos dos que propõem a substituição do sistema eleitoral atual pela modalidade majoritária, qualquer que seja sua variante, repousam pesadamente nas distorções que a malfadada adoção das coligações proporcionais trouxe ao modelo em vigor no Brasil.

Quer dizer, associam-se as deformações do mecanismo das coligações com a essência do sistema proporcional. Nada mais equivocado!

Nos sistemas proporcionais os candidatos são eleitos em consonância com a proporção de votos obtida pelos partidos, assegurando-se que os diversos grupos sociais ou políticos, com suas idéias e interesses, possam estar representados no Parlamento, na razão direta de sua importância numérico-eleitoral.

E esta é a essência do sistema proporcional de representação parlamentar – o pluralismo político – na medida em que o resultado das eleições reflete a proporcionalidade das diversas manifestações da vontade popular, o que abre espaço para a participação das minorias.

A tese pura das coligações é a de que os pequenos partidos, ou partidos de pouca expressão eleitoral, possam almejar ter, ou eventualmente ampliar, sua representação parlamentar, através da união com outros partidos com os quais guardam afinidades. Tais partidos mais fracos, disputando isoladamente os pleitos proporcionais, têm dificuldades de ultrapassar os quocientes eleitorais e, portanto, conquistar cadeiras no legislativo.

Note-se que as coligações, enquanto fundamento, são uma forma de salvaguardar ainda mais os interesses das minorias, dando-lhe reforço adicional para a conquista de representação. Mas suscitar espaço democrático às minorias é apenas um aspecto resultante do arcabouço conceitual do sistema proporcional. Se não houvesse as coligações, esse espaço estaria preservado do mesmo jeito. As coligações apenas lhe dão mais amplitude e concretude.

O problema é que a experiência empírica do sistema eleitoral do país, com sua fragilidade partidária e abuso de poder econômico, distorceu o que foi originalmente pensado para o mecanismo das coligações, a ponto de torná-lo alvo preferencial da maioria dos críticos do modelo proporcional (em sistemas majoritários para eleição de parlamentares não há quociente eleitoral e, portanto, as coligações não fazem sentido).  

Conquanto justas as críticas endereçadas ao dispositivo das coligações, é totalmente indevida a associação entre as deformações do dispositivo e o conteúdo do modelo proporcional de lista aberta.

Isso também não significa que se proibindo as coligações partidárias para eleição de parlamentares tenha-se expurgado todos os males do sistema proporcional, ficando-se com o modelo depurado. Longe disso. É da natureza do sistema proporcional a existência de imperfeições, conforme se intenta ilustrar adiante.

Imagine-se que uma professora queira distribuir de maneira justa 10 canetas entre 10 alunos (as canetas são objetos indivisíveis). Não há problema nenhum nessa partilha: cada aluno fica com uma caneta. Mas, admita-se que a professora ao invés de 10 canetas pretenda distribuir 11. Algum aluno vai ter que ficar com duas e os demais com uma cada. Mas quem vai ficar com duas e por quê? Ou seja, qual o critério ou método que norteia essa distribuição?

Esta é precisamente a questão de fundo da divisão proporcional, cujo exemplo mais importante é o da distribuição de vagas nas eleições parlamentares: tem-se determinada quantidade de votos, dada a vários concorrentes, e um número fixo de vagas no legislativo. Quais desses candidatos ficarão com as vagas e por quê? Mais uma vez: qual o critério que baliza essa distribuição?

A escolha de representantes para o poder legislativo é considerada um problema matemático de “divisão proporcional” ou “partilha equilibrada”, que consiste em distribuir de forma proporcional e justa as vagas de deputados e vereadores no Parlamento.

Existem vários métodos para se proceder a essa divisão, cada um com suas vantagens e desvantagens. Uma coisa é certa, todavia: não há nenhum método de divisão proporcional perfeito e justo, conforme descobriram e provaram os matemáticos americanos Michel Balinsky e Robert Young, no que ficou conhecido na literatura específica como “Teorema da Impossibilidade de Balinsky e Young”.

Ora, se os métodos de divisão proporcional são imperfeitos, o próprio sistema que os utiliza também o é. Quer dizer, fazendo uma lipoaspiração no sistema proporcional, extraindo as coligações, ainda assim, o que restar não será justo e perfeito. Alguns candidatos, por exemplo, continuarão sendo eleitos com menos votos, enquanto outros com mais votos, não serão. E o seu oposto, o modelo majoritário, aventado agora para substituir o proporcional, é perfeito, é justo? Também não!

Aliás, para desencanto geral, tem-se já assentado na literatura especializada, em linguagem livre, que “nenhum sistema de voto é justo”, constatação que foi demonstrada pelo Prêmio Nobel de Economia Kenneth Arrow, em 1951, e que ficou conhecida como o “Teorema de Arrow”.

Em síntese, (1) não se deve associar as mazelas das coligações com as imperfeições do sistema proporcional; (2) não existe sistema eleitoral justo, o que equivale a dizer que o critério de justiça eleitoral deve ser relativizado no debate voto majoritário versus voto proporcional.

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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e de Mercado, e do Instituto de Pesquisas Maurício de Nassau. https://mauricioromao.blog.br. mauricio-romao@uol.com.br

 

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