QUOCIENTE ELEITORAL, QUOCIENTE PARTIDÁRIO E VAGAS NO LEGISLATIVO

 

Maurício Costa Romão

O quociente eleitoral (QE) é o parâmetro pelo qual se define o preenchimento de vagas parlamentares nas Assembleias Legislativas e Câmaras (Federal, Distrital e Municipal) e é calculado dividindo-se o total de votos válidos (VV) – votos nominais e de legenda – de cada pleito por essa quantidade de vagas, conforme prescreve o artigo 106 do Código Eleitoral*. Assim:

Quociente eleitoral = Votos válidos ÷ Número de vagas

Simplificadamente, se VV são os votos válidos e C o número de vagas (ou cadeiras) do Parlamento, então:

QE = VV / C                                                                  (1)

O QE representa número mínimo de votos válidos que cada partido ou coligação tem de ter para assegurar vagas no Parlamento (§ 2.º do art. 109 do Código Eleitoral). Essa imposição do processo eleitoral de que só tenham direito a assentos no Parlamento os partidos ou coligações que atingirem ou ultrapassarem o referido quociente denomina-se, por muitos, “cláusula de barreira” ou de “exclusão”.

Uma maneira alternativa de se interpretar o QE é dizendo que ele significa o número médio de eleitores que cada parlamentar representa, visto que cada eleitor equivale a um voto. Por exemplo, em 2010, no Estado de Goiás, o QE foi de 175.779 votos válidos. Então o parlamentar federal goiano, em média, representa 175.779 eleitores daquele estado na Câmara dos Deputados.

Como o QE é o número de votos válidos por cadeira, diz-se, também, às vezes, que o QE é o “valor” de uma cadeira no Legislativo em termos de votos.

O cálculo do QE é a fase inicial do processo de distribuição de vagas entre partidos e coligações. Só disputam vagas, as agremiações e alianças que lograram ultrapassar o QE. Sabendo-se já que partidos ou coligações têm direito a ocupar vagas no Parlamento, a questão seguinte é determinar o número final de cadeiras que caberá a cada partido ou coligação.

Considere-se, agora, o quociente partidário QPj do partido ou coligação j (j = 1, 2, …, n), que resulta da divisão dos votos válidos do partido j pelo QE da eleição:

QPj = VVj / QE,                                                                       (2)

em que VVj são os votos válidos do partido j.

Este quociente QPj indica quantas vezes a votação do partido ou coligação j supera o QE. O QPj define, portanto, a quantidade inicial de cadeiras que cabe ao partido ou coligação j. Se o quociente fosse um número inteiro, as quantidades inicial e final de cadeiras do partido ou coligação j seriam iguais. Na prática, todavia, o QPj aparece quase sempre composto de uma parte inteira e outra fracionária: 2,5723, por exemplo (vide abaixo).

Como ilustração, considere-se o caso do DEM, por exemplo, que obteve 157.043 votos válidos na última eleição para vereador do município do Rio de Janeiro. Então, VVdem = 157.043. O quociente eleitoral do pleito foi de 61.051 votos. Dessa forma, o quociente partidário do DEM, QPdem, é igual a:

QPdem = VVdem / QE

QPdem =  157.043  / 61.051

QPdem = 2,5723

Logo, o partido democrata teria direito a 2,5723 cadeiras no Legislativo carioca, que tem um total de 51 cadeiras. Quer dizer, o partido assegura duas vagas de vereador pelo quociente partidário e ainda fica com uma sobra de 0,5723 de uma vaga. Esta sobra pode dar ao DEM uma vaga adicional (2 + 1), dependendo do processo de partição das sobras (método D’Hondt das maiores médias) de todos os partidos e coligações que disputaram a eleição e transpuseram o QE.

Substituindo-se agora (1) em (2), tem-se:

QPj = C. VVj / VV                                                                    (3)

Note-se em (3) que VVj / VV nada mais é do que a proporção de votos válidos do partido ou coligação j em relação ao total de votos válidos de todos os partidos e coligações.

Essa proporção dá uma ideia da importância do partido ou coligação j no pleito em termos de votação recebida. Se, por exemplo, essa proporção for igual a 0,5, isso que dizer que o partido ou coligação j recebeu metade de todos os votos válidos do pleito, portanto, teria direito à metade das cadeiras do Parlamento. Tomando como suposto que o número total de cadeiras é igual a 10 (C=10), QPj seria igual a 5, usando a expressão (3).

Do ponto de vista do exemplo do DEM, os votos válidos desse partido naquele pleito foram de 157.043 votos e os votos válidos totais de todos os partidos e coligações somaram 3.113.599 votos; quer dizer:  VVdem = 157.043, VV = 3.113.599  e C = 51. Portanto:

QPdem = C. VVdem / VV

QPdem = 51 x 157.043 / 3.113.599

QPdem = 51 x 0,05043

QPdem = 2,5723                                                                      (4)

Observe-se, ainda, que a proporção VVj / VV em (3) é sempre maior que zero e menor que um, ou seja:

0 ‹  VVj / VV  ‹ 1                                                                      (5)

Com efeito, (5) não pode assumir o valor igual a um porque, nesse caso, só um partido teria “disputado” a eleição, ficando com todas as cadeiras, o que é incompatível com o sistema pluripartidário e o regime democrático de representação parlamentar. É claro que também não faz sentido VVj / VV ser igual a zero, situação em que VVj teria de ser zero, o que é impossível se o partido j estiver concorrendo à partição de sobras (caso em que VVj tem de ser positivo, pois é maior do que o QE).

Por conta de (5), então, QPj em (3) é sempre e invariavelmente composto por uma parte inteira C, e outra fracionária, VVj / VV. O produto da parte inteira com a fracionária é que pode eventualmente resultar num número apenas inteiro, embora essa possibilidade seja rara.

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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e de Mercado, e do Instituto de Pesquisas Maurício de Nassau. https://mauricioromao.blog.br. mauricio-romao@uol.com.br

 *Vide exposição detalhada, com exemplos extraídos da evidência empírica, no nosso livro “Eleições de deputados e vereadores: compreendendo o sistema em uso no Brasil”, Editora Juruá, 2012.

 

 

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