Por Maurício Costa Romão
A literatura especializada destaca que nos pleitos eleitorais para deputado e vereador o princípio ideal da proporcionalidade é aquele segundo o qual a representação de cada partido concorrente, em termos de assentos conquistados no Parlamento, deve ser exatamente proporcional aos votos recebidos.
Na atual configuração do sistema eleitoral brasileiro esse princípio está longe de ser validado.
Tome-se, à guisa de exemplo, o pleito deste ano para deputado federal, em Pernambuco. Nota-se, na Tabela T1, elaborada utilizando dados oficiais do TSE/TRE, a formação de duas coligações que, juntas, obtiveram 93,4% do total de votos válidos e 100,0% das cadeiras disponíveis, isto é, 25 das 25 vagas.
Uma primeira desproporção já aparece aqui: as coligações foram beneficiadas, posto que conquistaram mais cadeiras do que o total de votos recebidos ensejava.
Olhando agora do ponto de vista inter-coligações, vê-se uma nova desproporcionalidade: a aliança Frente Popular de Pernambuco teve 73,19% dos votos válidos, mas obteve 80,0% das cadeiras, enquanto a coligação Pernambuco Pode Mais conseguiu um número de cadeiras compatível com sua votação.
É interessante observar, principalmente, a distribuição dos votos e das cadeiras no interior das coligações que ultrapassaram o quociente eleitoral.
Na Tabela T2 os votos da coligação Frente Popular de Pernambuco mostrada na Tabela T1 são decompostos em termos dos votos recebidos por cada legenda individualmente.
A desproporcionalidade é patente dentro da mencionada aliança. Alguns casos chamam à atenção: o PSB recebeu um terço dos votos, mas conquistou apenas um quarto das cadeiras, ao passo que o PDT teve quase o dobro de cadeiras em relação à votação recebida.
Outras assimetrias menos destacadas podem ser visualizadas na Tabela T2, que indica, no seu conjunto, ser o fenômeno da desproporcionalidade não exceção e sim regra geral no sistema eleitoral brasileiro em que há nítida alteração da vontade do eleitor expressa nas urnas: a ocupação das vagas parlamentares pelos partidos não é feita em consonância com a proporcionalidade dos votos por eles recebidos.
No caso da coligação Pernambuco Pode Mais a desproporcionalidade é menos acentuada, mas não deixa de estar presente, conforme retrata a Tabela T3.
Admitindo-se que houvesse proporcionalidade entre votação recebida e distribuição de cadeiras entre os partidos das coligações em apreço, como ficaria o novo mapa de ocupação das vagas parlamentares?
Veja-se, inicialmente, a Tabela T4. As duas últimas colunas desfilam o número de cadeiras de cada partido da coligação Frente Popular de Pernambuco no contexto do atual sistema em vigor, e na hipótese de proporcionalidade.
Das agremiações que obtiveram menos cadeiras do que seus votos ensejavam, PSB, PT e PP (vide Tabela T2), apenas os dois primeiros teriam acréscimos de vagas, três para o PSB e uma para o PT. Os que perderiam uma vaga cada seriam o PTB e os partidos que individualmente conquistaram vagas sem ter ultrapassado o quociente eleitoral de 176.157 votos: PDT, PC do B e PSC.
O caso do PDT é emblemático: conquistou duas cadeiras sem ter atingido o quociente eleitoral. Se, por hipótese, as eleições de 2010 não permitissem coligações, esses três partidos não teriam representantes no Parlamento.
No que concerne à coligação Pernambuco Pode Mais, a hipótese da proporcionalidade daria ao PSDB mais uma cadeira, e este partido mais o DEM ficariam com as cinco vagas disponíveis para as hostes oposicionistas. Veja-se que o PMDB, que obtivera uma vaga sem individualmente ter ultrapassado o quociente eleitoral, perderia essa vaga na nova configuração.
O exemplo do pleito de Pernambuco para deputado federal pode ser tomado como uma regra geral que vale para as eleições proporcionais no Brasil: não há distribuição de votos intracoligação, para efeito de alocação de cadeiras, de acordo com a votação de cada agremiação participante da aliança.
O que é determinante no interior das alianças, na verdade, são os votos individuais dos diversos candidatos e não a contribuição proporcional dos votos de cada agremiação componente. As agremiações como que desaparecem no interior da coligação e, para efeito de cálculo de quem vai eleger-se, ela própria, a coligação, passa a funcionar como se um partido fora, já que a votação é unificada internamente.
Não é sem razão, pois, que quase toda referência que se faz à almejada Reforma Política no Brasil inclui a exigência do fim das coligações proporcionais como premissa básica.