Por uma agenda oculta

 
 Claudio Weber Abramo, Folha de S.Paulo, 05/06/2010
 
Eleições deixaram de ser uma ocasião em que a comunidade designa representantes para perseguir alguma agenda significativa. Quase tudo se passa no imaginário. Quando não se trata disso, a tendência é que se discutam desimportâncias.

Diferentemente de outros países, no Brasil não se discute ideologia em eleições. Só o PSOL faz isso. No mais, quem se diz de esquerda não o é e quem é de direita afirma não sê-lo.

Assim é que ganham proeminência assuntos como a união civil entre homossexuais e o direito de aborto, os quais, por mais importantes que sejam para alguns públicos, a rigor dizem respeito ao plano privado.

Questões pertinentes à esfera pública e relevantes para o futuro da comunidade só aparecem se traduzíveis em lugares-comuns.

Há, porém, uma série de protagonistas importantes, em particular na área empresarial, para os quais a única coisa que de fato importa são os temas de fundo. Como candidatos não podem ignorá-los, dirigem-se a eles privadamente.

Opera-se assim uma inversão: o que é privado se discute em público e o que é público se discute em privado. Como é assim que as coisas são, assim continuarão a ser. Isso não significa que não deva haver preocupação sobre o que os candidatos oferecem quanto ao futuro. Vão aí três temas que precisariam constar de sua agenda, ainda que oculta.

O Brasil tem uma das piores distribuições de renda do mundo. Melhorá-la significa retirar renda futura dos mais ricos. Isso não acontecerá por benemerência destes últimos, mas por políticas específicas, tanto tributária quanto de desenvolvimento.

A economia brasileira se alimenta da exportação de commodities agrícolas e de recursos minerais que sofrem mínima agregação de valor.
Do outro lado da mesa, quase tudo que tem valor agregado é importado. Apesar do hiperotimismo dominante, tal não dá futuro.

Um importante conjunto de políticas subsidiárias à política de desenvolvimento industrial diz respeito à educação, pois sem desenvolvimento econômico não há motivo para melhorá-la.
Modernização administrativa. Se alguma unanimidade existe, é que a administração pública brasileira é ineficiente. Um dos fatores mais determinantes para isso é a liberdade de os governantes nomearem pessoas para ocupar os chamados “cargos de confiança”.

Além de constituir uma usina de corrupção, o compromisso dos agentes públicos (concursados ou não) com interesses partidários se superpõe a seu compromisso com o público. Não há serviço público que resista a isso.
Questões como essas três (e existem muitas mais) são as que impactam sobre o futuro da comunidade. O resto é ilusão.

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