PLANO B PARA AS COLIGAÇÕES PROPORCIONAIS: SEM EXTINÇÃO, SÓ RESTA APERFEIÇOAR
(Texto Executivo)
Por Maurício Costa Romão
Introdução
A julgar pelo andamento dos debates sobre a reforma política no Congresso Nacional tudo indica que nem mesmo o aguardado fim das coligações proporcionais irá acontecer. Se este for o caso, se a convivência com as coligações for inevitável, no âmbito do modelo de lista aberta vigente no País, cabe então introduzir mudanças no mecanismo, de sorte a aprimorá-lo. Este texto se propõe a lançar algumas idéias neste sentido (vide, do autor, “Proposta de aperfeiçoamento do modelo de coligações proporcionais no Brasil”, para uma versão completa do estudo)
Por que coligar?
Um dos motivos pelos quais a propositura de extinção das alianças proporcionais não conseguiu a adesão majoritária da classe política deve-se ao fato de que o progressivo crescimento do quociente eleitoral ao longo dos pleitos torna-o cada vez mais inatingível para a maioria das agremiações partidárias, em especial, para as pequenas e médias. Sem atingimento do quociente, os partidos não ascendem ao Parlamento. Por conta dessa barreira a celebração de alianças passou a ser quase que inevitável em muitas eleições.
As distorções do mecanismo
Diferentemente do que se apregoa no meio político, o instrumento da coligação não é apanágio apenas do Brasil, sendo praticado também em mais oito países. Aqui, todavia, pelas suas peculiaridades, as coligações são as responsáveis maiores pelas deformações do modelo de lista aberta em vigência (veja-se um decálogo das mais realçadas no texto do autor “Fim das coligações proporcionais”).
As sugestões de aperfeiçoamento
Com apenas uma modificação na atual estrutura do mecanismo de alianças ter-se-ia grande reverberação em todo o sistema: a instituição da sistemática da proporcionalidade, de que resulta a concomitante separação dos votos de legenda dos votos nominais.
A questão da proporcionalidade
A literatura especializada destaca que nos pleitos eleitorais para deputado e vereador o princípio ideal da proporcionalidade é aquele segundo o qual o número de cadeiras conquistado pelos partidos concorrentes deve ser o mais possível proporcional aos votos recebidos. Este é o alicerce do sistema proporcional, tanto o de lista aberta, quanto o de lista fechada.
Mas na atual configuração das coligações no Brasil, o princípio não é observado: se dois partidos, A e B, celebraram aliança, tendo A 70% dos votos e B 30%, então tal princípio reza que se a aliança conquistou 10 cadeiras, A deveria ficar com sete e B com três. Na sistemática brasileira pode acontecer o inverso, ou qualquer combinação de assentos entre A e B: os votos são unificados internamente na aliança e a alocação de cadeiras independe da votação correspondente de cada agremiação componente.
A descaracterização do voto de legenda
No sistema proporcional brasileiro de lista aberta é facultado ao eleitor votar somente no partido, o chamado voto de legenda, ou diretamente no candidato, o dito voto nominal. O voto consignado pelo eleitor à sigla é agregado ao somatório de votos nominais desta sigla. Mas estando ela coligada, tal voto passa a ser somado também aos votos de todas as siglas componentes da coligação. Assim, no momento de transformar votos em cadeiras, os votos de legenda são computados para os candidatos da coligação que tenham obtido maior votação individual, que não necessariamente são candidatos da agremiação para a qual o voto de legenda fora consignado.
Instituindo a proporcionalidade e separando o voto de legenda
Etapa 1 – determinam-se as vagas finais de todos os partidos e coligações, da mesma forma como se procede atualmente; Etapa 2 – já se sabendo quantas vagas as coligações conquistaram, calcula-se, agora, a proporção de votos (nominais e de legenda) de cada agremiação dentro das alianças; Etapa 3 – As cadeiras serão alocadas a essas agremiações em consonância com tais proporções de votos.
Quem são os eleitos da coligação?
Na sistemática atual os candidatos mais votados da coligação é que são eleitos, independentemente de que partidos provenham. É exatamente esse procedimento que dá margem ao freqüente aparecimento do fenômeno da desproporcionalidade. Agora, na nova configuração, os eleitos serão aqueles que foram mais votados dentro dos partidos componentes da aliança, respeitadas suas proporcionalidades.
Exemplo
É oportuno apresentar um exemplo extremo, porém muito recorrente no modelo eleitoral brasileiro, para ilustrar a importância desse argumento. Nas eleições para vereador em 2008, no Recife, o PSL fez parte de uma coligação composta ainda pelo PT, o PTB e o PSB e, mesmo tendo 11,1% dos votos da aliança, ademais de ultrapassado individualmente o quociente eleitoral, não elegeu candidato. O PSB, por seu turno, teve 8,4% dos votos da aliança e ficou com 18,2% das cadeiras, elegendo dois representantes na edilidade (ambos mais votados do que o primeiro colocado do PSL), a despeito de não ter atingido o quociente eleitoral.
Estes números estão retratados nas cinco primeiras colunas da Tabela 1. Salta a vista, ainda, outras disparidades. O PT, por exemplo, teve 55,6% dos votos da coligação, mas ficou com apenas 45,5% das vagas legislativas. O PTB, ao contrário, obteve exatamente um quarto dos votos, mas terminou com mais de um terço das cadeiras. Pelo critério da proporcionalidade a relação entre voto e cadeiras guardaria uma configuração bem mais justa. Basta comparar a terceira coluna com a última, para se notar que há maior proporcionalidade entre votos obtidos e cadeiras conquistadas. Os partidos que tinham um percentual de cadeiras maior que o percentual de votos, perderam cadeiras e vice-versa.

Conseqüências sobre o sistemaConseqüência primeira: a vontade do eleitor será mais preservada, ao mesmo tempo em que haverá maior identidade entre ele, o candidato e o partido, já que o voto em José, do partido XYZ, somente servirá para eleger o próprio José ou candidatos de XYZ, diferente de hoje, que se vota em José e pode-se estar elegendo João, de partido distinto. Esta conseqüência derivada da introdução da proporcionalidade intracoligação é a mesma que adviria para todos os partidos de um pleito, caso não houvesse coligações proporcionais.
Conseqüência segunda: partidos que individualmente ultrapassem o quociente eleitoral original e, fazendo parte de uma coligação, não conseguem eleger representantes no legislativo, terão suas vagas asseguradas no novo critério ora proposto (exemplos do PSL, no caso dos vereadores, já discutido acima). Conseqüência terceira: ao contrário do modelo em vigência, que impede de os partidos e coligações que não tenham tido votação suficiente para ultrapassar o quociente eleitoral original concorram às sobras de votos[i], na presente sugestão, as agremiações componentes de coligações entram na disputa pela repartição dessas sobras, no interior da aliança da qual fazem parte, propiciando-lhes perspectivas de assunção ao Parlamento (como é o caso do PSB na mencionada eleição de vereadores). Conseqüência quarta: será restabelecida a função original do voto de legenda, qual seja, a de fortalecer o partido, posto que tal voto não mais ficará misturado aos votos nominais da coligação, tendo repercussão apenas na sigla à qual foi consignado (no atual modelo o voto de legenda se perde no interior da aliança e pode servir para eleger candidatos distintos do partido ao qual o voto foi concedido). Conseqüência quinta: restabelecer-se-á a essência do sistema proporcional de representação parlamentar em que os candidatos são eleitos em consonância com a proporção de votos obtida pelos partidos, o que não acontece com o mecanismo brasileiro de coligações em cujo interior impera, no mais das vezes, a desproporcionalidade. Resumo da metodologia Para instituir o critério de proporcionalidade no interior das coligações as mudanças operacionais são mínimas, relativamente à sistemática atual. (a) Procede-se aos cálculos normais dos votos válidos do pleito e do quociente eleitoral, como é feito atualmente; (b) Faz-se, como no sistema vigente, a alocação de cadeiras de acordo com os quocientes partidários e a aplicação do método D’Hondt de distribuição de sobras; (c) Observa-se, em cada coligação, a votação nominal e de legenda de seus partidos componentes, e utiliza-se o procedimento usual do item (b), desta feita aplicado apenas para alocar cadeiras no âmbito interno de cada coligação; (d) Todos os partidos componentes de uma dada coligação disputam sobras de votos internamente, mesmo aqueles que não atingiram o quociente eleitoral interno à essa coligação. (e) Os candidatos mais votados dos partidos de cada coligação é que serão guindados ao Parlamento. Restarão ainda algumas distorções no mecanismo das coligações, algumas passíveis de correção, outras inerentes ao próprio sistema proporcional. Mas, com a instituição da alteração proposta ter-se-á dado grande passo na melhoria qualitativa do atual modelo. —————————————————————– Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e de Mercado, e do Instituto de Pesquisas Maurício de Nassau. |