PERNAMBUCO: ALGUNS REGISTROS DA ELEIÇÃO PROPORCIONAL DE 2018

 

Maurício Costa Romão

 

Registro 1: quebra de tabu

Desde 1982, há nove eleições, nenhum deputado federal por Pernambuco havia sido eleito sem ser por uma coligação. Agora, em 2018, o PT e o Patriotas quebraram essa tradição.

Os dois partidos saíram em vôo solo e ultrapassaram o quociente eleitoral (QE), elegendo três parlamentares, o PT, dois, e o Patriotas, um. Além de ultrapassarem o QE, os dois partidos ainda entraram nas rodadas de distribuição das sobras de votos com 67.727 votos e 94.229 votos, respectivamente (foram alocadas cinco vagas por sobras).

Entretanto, não lograram êxito em conquistar vagas adicionais, posto que suas médias de votos foram as mais baixas do “pelotão de cima” (partidos ou coligações que ultrapassaram o QE): 138.070 votos, a do PT, e 133.724 votos, a do Patriotas.

Registro 2: votos campeões

 

O deputado federal eleito João Campos é, em termos nominais, o parlamentar pernambucano mais votado da história. Ele teve 460.387 votos nesta eleição de 2018.

Entretanto, em termos relativos, ele está longe de bater o recorde do seu bisavô, Miguel Arraes. De fato, a votação de João Campos representa 10,63% dos votos válidos, enquanto a de Miguel Arraes (339.158 votos), em 1990, corresponde a 19,28% (um em cada cinco eleitores pernambucanos votou no Dr. Arraes para deputado).

Aliás, Dr. Arraes é o deputado federal proporcionalmente mais votado do Brasil. Nenhum dos grandes campeões brasileiros de voto, como Eduardo Bolsonaro em 2018 (1.843.735 votos, mas apenas 8,74% dos votos válidos), Enéas em 2002 (1.573.642 votos, 8,02% dos votos válidos), Russomanno em 2014 (1.524.361 votos, 7,26% dos votos válidos), Tiririca em 2010 (1.353.820 votos, 6,16% dos votos válidos), chegou perto da votação do Dr. Arraes.

Na verdade, a única votação para deputado federal que se aproxima da do Dr. Arraes é a de Ciro Gomes que, em 2006, no Ceará, obteve 667.542 votos, o que, na época, correspondia a 16,1% dos votos válidos. Ciro é, portanto, o segundo parlamentar federal mais votado na história pós-redemocratização do Brasil.

Registro 3: sobras, prá que te quero?

A abertura propiciada pela reforma eleitoral de 2017 para que todos os partidos ou coligações que não atingissem o QE pudessem participar da distribuição de sobras de votos suscitou certa euforia entre agremiações de portes médio e pequeno, que viam no novo regramento maiores chances de ascender ao Parlamento.

Em textos anteriores já havíamos mostrado que para ter reais condições de assunção ao Legislativo os partidos ou coligações que não alcançaram o QE (componentes do “pelotão de baixo”) teriam que ter votação nos arredores desse quociente e, ainda, registrar média de votos superior a menor média obtida pelos partidos ou coligações que se posicionam no pelotão de cima.

Veja-se um exemplo concreto extraído da eleição deste ano para deputado estadual, em que das 49 vagas disponíveis na ALEPE, sete foram ocupadas por sobras de votos.

Tome-se o caso do Patriotas como ilustração. O partido teve 73.717 votos que, numa visão otimista, pode ser considerada uma votação razoavelmente próxima do QE de 92.070 votos, satisfazendo, em princípio, a condição necessária.

Aplicando-se o método D’Hondt das maiores médias (método usado no Brasil e, de resto, na maioria das democracias modernas) para alocar as sete vagas disponíveis, a menor média encontrada, entre as sete, foi de 81.142 votos, ainda assim, maior que a média do Patriotas, de 73.717 votos (na partição de sobras pelo método D’Hondt, a média de votos dos partidos ou coligações que não alcançaram o QE é dada pela sua votação nominal).

O partido não teria, portanto, nenhuma chance de obter vaga na eleição deste ano. Ao final, como sói acontecer com freqüência, todas as vagas distribuídas por sobras de voto ficaram com o pelotão de cima.

Há agora, sem dúvida, maior democratização de acesso aos Parlamentos, mas se requer certa estatura eleitoral dos concorrentes para fazer jus à abertura gerada na nova legislação.

Registro 4: large is beautiful

O método das maiores médias privilegia as grandes votações no processo de repartição de sobras eleitorais. É uma característica intrínseca do mecanismo.

Ilustrando: em Pernambuco, em 2014, para deputado estadual, o chapão do PSB de 10 partidos, obteve 2.338.982 votos. O QP do chapão foi de 24,901 (24 parlamentares eleitos diretamente e sobra de votos de 0,901 do QE). Na distribuição das sobras o chapão ficou com duas das quatro vagas disputadas por média, elegendo ao final 26 deputados estaduais.

Algo semelhante ocorreu na eleição de 2014 para federal. O chapão de 15 partidos do PSB teve 3.031.449 votos, com um QP de 16,904, e ficou com as duas únicas vagas que foram disputadas por média, terminando o pleito com 18 deputados eleitos.

Agora em 2018 as duas grandes votações para deputado estadual das chapas (PSB / MDB / PSD = 1.282.674 votos) e (PP / SD / PR / PMN = 1.054.841 votos) renderam duas vagas por média para cada uma. Das sete vagas distribuídas por sobras essas alianças ficaram com quatro.

Para deputado federal, neste ano de 2018, a chapa PSB / MDB / PSD / PCdoB, abocanhou sete vagas diretamente pelo QP e ficou com apenas 10.913 votos de sobras, anos-luz distantes do QE de 173.215 votos, para disputar uma vaga entre as cinco possíveis por sobras.

Pois bem, a alta votação da chapa (1.223.357 votos) propiciou-lhe obter a segunda maior média entre as cinco calculadas, permitindo-lhe conquistar mais uma vaga, além das sete a que teve direito pelo QP.

Registro 5: periculum in mora

Como neste ano de 2018 as coligações ainda foram permitidas, os partidos não colocaram esse assunto entre suas prioridades. Mas vão ter que fazê-lo agora, no período pós-pleito, já que a proibição entra em vigor em 2020 e a medida atinge de morte várias siglas, reduzindo a grande fragmentação partidária existente.

Veja-se a dramaticidade do caso, considerando como exemplo a eleição de 2018 para deputado federal em Pernambuco. Dos 33 partidos que disputaram o pleito, somente nove conseguiram votação individual acima do QE (PSB, PT, PP, Patriotas, PSL, PSC, PDT, PRB, e PR).

Isso quer dizer que 24 partidos não alcançaram o QE e, portanto, valesse a nova regra, não elegeriam ninguém à Câmara Federal, o que suscita grande preocupação para 2022. Partidos tradicionais como o MDB, DEM, PCdoB, além de PSDB, PPS, PTB, PSOL, etc. se mantiverem na próxima eleição a performance de votação deste ano, não ascenderão ao Legislativo Federal.

Registro 6: sarrafo baixo

A Lei 13.165/2015, conhecida como lei da minirreforma, no que tange ao sistema proporcional, instituiu cláusula de desempenho individual (CDI) como barreira à ascensão de candidatos de baixa votação ao Legislativo (só poderão ser eleitos candidatos com votação igual ou superior a 10% do quociente eleitoral).

A confecção da referida lei teve o intuito de corrigir certa distorção (no entender de alguns) no modelo de voto em uso que acolhia a possibilidade de candidatos com altíssimas votações, os chamados “puxadores de voto”, arrastarem para o Parlamento postulantes com votações irrisórias.

Como já era esperado, a referida lei não atingiu ninguém, já que threshold estabelecido é de apenas 10% do QE. Neste ano de 2018, para deputado federal, 10% do QE representam 17.321 votos e para estadual, são 9.207 votos. Ora, a menor votação dos eleitos para o Parlamento Federal por Pernambuco foi de 52.824 votos e para a ALEPE foi de 17.729 votos.

Como os artigos da Lei 13.165/2015 que se referem à cláusula de desempenho individual são confusos, omissos e inconsistentes, o caminho da justiça estaria aberto para os que fossem atingidos pelo regramento. A lei em comento não consegue responder com consistência ao principal desafio que lhe é lançado: como substituir os candidatos que, eleitos diretamente pelo quociente partidário, não lograram atingir a votação mínima exigida?

Registro 7: haja votos

A delegada Gleide Ângelo é, disparadamente, a deputada estadual mais bem votada da história de Pernambuco, nominal e relativamente. Ela obteve em 2018 nada menos que 412.636 votos, o equivalente a 9,15% dos votos válidos.

Até então, o campeão de votos havia sido o deputado Cleiton Collins que, em 2014, obteve 216.874 votos, ou 4,71% dos votos válidos (desbancando João Coelho que, em 1986, tivera 77.924 votos, na época, 4,31% dos votos válidos).

É interessante observar que Gleide Ângelo por pouco não se torna a parlamentar estadual mais votada da história do Brasil. De fato, Janaína Paschoal, a deputada paulista eleita este ano com a fantástica montanha de 2.060.786 votos, obteve 9,88% dos votos válidos da eleição paulista, sendo considerada a mais bem votada do Brasil em todos os tempos, nominal e proporcionalmente.

A parlamentar pernambucana, com 9,15% dos votos válidos, precisaria terminar a eleição de 2018 com 446.000 votos para suplantar Janaína, proporcionalmente, e ser a campeã do Brasil. Quer dizer, teria que ter tido 33.364 votos a mais…

Observação: o critério da proporcionalidade, que consiste em calcular o percentual de cada votação individual em relação ao total de votos válidos do pleito, é o método apropriado de comparar votações, seja ao longo do tempo, seja entre estados numa mesma eleição.

Ao longo do tempo porque de uma eleição para outra as variáveis demográficas (tamanho da população, faixa etária, etc.) e eleitorais (eleitorado, abstenção, votos nulos, etc.) se modificam. De um estado para outro numa mesma eleição porque suas populações e eleitorados são diferentes.

No exemplo de deputado estadual comentado acima, 446.000 votos em Pernambuco é, proporcionalmente, maior que 2.060.786 votos em São Paulo, daí que o critério correto é o voto relativo e não o voto absoluto.

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Maurício Costa Romão é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. mauricio-romao@uol.com.br

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