PELA REPARTIÇÃO DAS SOBRAS DE VOTOS ENTRE TODOS PARTIDOS E COLIGAÇÕES!

 

Maurício Costa Romão

 No pleito de 2012 para vereadores, em Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco, o quociente eleitoral (QE) – limite mínimo de votos a ser alcançado pelos partidos ou coligações para assunção ao Parlamento – foi de 11.719 votos. Uma coligação (PSL/PTB) e dois partidos que concorreram isoladamente, o PSDC e o PMN, não conseguiram assentos na Câmara Municipal apesar de suas votações ficarem bem próximas de atingir o QE.

Isso acontece frequentemente nas eleições proporcionais brasileiras. É que o modelo em vigência no país (artigos de 106 a 109 do Código Eleitoral) adota uma draconiana cláusula de barreira, ou de exclusão, via QE, que impede de os partidos que não tenham tido votação suficiente para atingir esse quociente disputem as sobras de votos.

O princípio básico que preside o sistema proporcional consiste em assegurar representação parlamentar às várias forças políticas existentes na sociedade, de sorte que haja relativa equivalência entre as proporções de votos e de mandatos obtidos por cada partido.

Esses alicerces conceituais do sistema dão sustentáculo à participação de siglas menores no processo eleitoral, com perspectivas de almejar ascensão ao Legislativo. Mas, por conta do mencionado impedimento, são exatamente as siglas pequenas que, em geral, ficam excluídas. É uma contradição do próprio sistema que acarreta injustiças e distorções na competição eleitoral.

Em textos* do autor sobre reforma eleitoral fez-se a sugestão de corrigir essa falha lógica do sistema, simplesmente permitindo que tais agremiações, ainda que não lograssem votação suficiente para sobrepujar o QE, devessem entrar na disputa pela repartição das sobras, através das sucessivas rodadas de cálculo das maiores médias, propiciando-lhes, assim, perspectivas de assunção ao Parlamento.

Caso essa medida proposta fosse adotada na eleição do ano passado, apenas para se ter uma ideia da sua extensão, considerando só as capitais do país,  partidos e coligações cuja votação ficou próxima do quociente eleitoral ascenderiam aos respectivos Legislativos em 58% delas. 

O pleito de Jaboatão em 2012, por exemplo, oferece outra oportunidade para esclarecer bem o teor desta proposta. A Tabela 1 desfila os resultados da eleição jaboatoense de 2012, na qual seis coligações e seis partidos ultrapassaram o QE de 11.719 votos válidos e ocuparam as 27 cadeiras do Parlamento.

Fonte: elaboração do autor, com base em dados do TSE/TRE.

A segunda coluna e as outras três subsequentes mostram os votos válidos e as vagas conquistadas pelos partidos e coligações listados na primeira coluna. Os partidos e coligações situados abaixo do QE ficaram alijados da disputa, não concorrendo às sobras de votos. Observe-se, entretanto, que as votações de algumas dessas agremiações ficaram razoavelmente próximas do QE sem, no entanto, atingi-lo. São os casos da coligação (PSL / PTB) e dos dois partidos aludidos no introito deste texto, o PSDC e o PMN,

Nos cálculos internos para confecção da Tabela 1, constatou-se que apenas 18 parlamentares foram eleitos num primeiro momento, diretamente pelo quociente partidário, restando nove vagas a preencher das 27 que compõem a Câmara Municipal. 

Essas 18 vagas iniciais, como se sabe, correspondem ao somatório dos números inteiros dos quocientes partidários das agremiações ou alianças que superaram o QE (segunda coluna). As partes fracionárias desses quocientes são as sobras de votos. Essas sobras são utilizadas para distribuir as nove vagas restantes, o que é feito pelo método D’Hondt de maiores médias. A Tabela 2 mostra essas maiores médias.

Fonte: elaboração do autor, com base em dados do TSE/TRE.

A média mais alta da primeira rodada de cálculos coube à coligação PRB / PT, a segunda foi obtida pelo PC do B, e assim por diante. Os partidos e as coligações que lograram essas maiores médias preencheram as nove cadeiras restantes.

Admita-se, todavia, que a legislação, de forma mais coerente com a filosofia do sistema proporcional, permita aos partidos e coligações disputarem as sobras eleitorais, mesmo sem terem atingido o QE (modificação do art. 109 do Código Eleitoral, Inciso II, & 2º).

Nesta hipótese, a primeira média mais alta seria da aliança PSL/PTB, com média de 11.488 votos, a quinta média mais alta ficaria com o PSDC, cuja média foi de 10.364 votos e o PMN lograria ter a nona vaga, atingindo a média de 9.495 votos. Tais agremiações teriam, assim, direito a assumir uma cadeira cada uma no Parlamento.

Na nova recontagem, os partidos ou coligações que ficaram anteriormente com as últimas três vagas por média (tinham as menores médias das nove calculadas) perdem essas vagas adicionais para os novos ocupantes.

A Tabela 3 mostra quem perde vaga e quem ganha nessa nova configuração.

Fonte: elaboração do autor, com base em dados do TSE/TRE.

Dessa forma, a coligação PSL/PTB e os partidos PSDC e PMN ascenderiam ao Legislativo conquistando uma vaga cada e as coligações PMDB/PSDB/PV, PP/PR e PSB/PSD perderiam a vaga adicional que cada uma obteve anteriormente.

O processo sugerido preserva, como não poderia deixar de ser, as vagas que os partidos e coligações conquistaram diretamente pelo quociente partidário. A interferência dá-se apenas nas vagas adicionais, aquelas conquistadas na partição de sobras. E só perdem, eventualmente, essas vagas adicionais os partidos e coligações cujas médias forem menores do as médias das agremiações que antes ficariam de fora da distribuição de sobras.

Outro ponto importante da proposta é que somente partidos ou coligações que tiveram votações relativamente altas (votações que chegaram bem próximas do quociente eleitoral) é que podem, eventualmente, almejar vaga no Legislativo. Se assim tiverem, suas médias serão concorrentes às últimas maiores médias do bloco de agremiações cujas votações se situam acima do QE.

Veja-se, sobre este último caso, os exemplos do PPL, PRTB e PSOL, cujas votações estão mostradas na Tabela 1. Tais votações ficaram muito aquém do QE e, portanto, suas médias nunca chegariam a ameaçar as menores médias entre as nove calculadas.

Portanto, a abertura para que todas as agremiações disputem sobras de votos só concede alguma chance àquelas que tiverem relativa expressão eleitoral no pleito. Vale dizer, àquelas cuja quantidade de votos chega próxima ao QE. Se bem sucedidas, essas agremiações recebem um prêmio por sua densidade eleitoral naquele pleito específico, reparando-se uma injustiça.

Se não lograrem êxito, é porque suas votações, embora de certa monta, não seriam suficientes para concorrer com o “bloco de cima do QE”. A chance de concorrer à partição de sobras foi concedida, de qualquer forma.

Em resumo, a alteração da legislação permitindo que siglas que não atinjam o QE possam participar das sobras de votos, mais do que uma justiça para partidos que tenham alguma densidade eleitoral em determinados pleitos, é um retorno aos princípios básicos do modelo proporcional de partilhar as cadeiras do Parlamento entre todos os segmentos da sociedade, representados pelas agremiações político-partidárias.

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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e de Mercado, e do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br. https://mauricioromao.blog.br.

* “Eleições de deputados e vereadores: compreendendo o sistema em uso no Brasil”, Editora Juruá, 2012.

“Três propostas de aperfeiçoamento do sistema brasileiro de eleições proporcionais”. Trabalho apresentado no VI Congresso Latino-Americano de Ciência Política, organizado pela Associação Latino-Americana de Ciência Política (ALACIP). Quito, 12 a 14 de junho de 2012

 

1 comentário em “PELA REPARTIÇÃO DAS SOBRAS DE VOTOS ENTRE TODOS PARTIDOS E COLIGAÇÕES!”

  1. Excelente abordagem.
    Não tenha dúvida que esta é a forma mais justa da expressão “proporcional”.
    Cheguei a ler algo sobre este tema, inclusive acreditando que esta barreira do QE havia acabado nas eleições de 2010.
    O que existe de concreto? Existe alguma tramitação para este tema?

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