SEM DIREITO A SOBRAS DE VOTOS: O EXEMPLO DO PSOL NO RIO GRANDE DO SUL

 

 Maurício Costa Romão

O princípio básico que preside o sistema proporcional consiste em assegurar representação parlamentar às várias forças políticas existentes na sociedade, de sorte que haja relativa equivalência entre as proporções de votos e de mandatos obtidos pelos partidos. Esses alicerces conceituais do sistema dão sustentáculo à participação de siglas menores no processo eleitoral, com perspectivas de almejar ascensão ao Legislativo.

Entretanto, o modelo em vigência no Brasil adota uma draconiana cláusula de barreira ou de exclusão, via quociente eleitoral (QE), que impede de os partidos que não tenham tido votação suficiente para atingir esse quociente disputem as sobras de votos. Em geral são exatamente as siglas pequenas que ficam excluídas.

Em textos* sobre a reforma eleitoral fez-se a sugestão de que tais agremiações, ainda que não logrem votação suficiente para sobrepujar o QE, deveriam entrar na disputa pela repartição das sobras, através das sucessivas rodadas de cálculo das maiores médias, propiciando-lhes perspectivas de assunção ao Parlamento.

Um exemplo extraído da evidência empírica das eleições parlamentares de 2010 no Rio Grande do Sul esclarece bem o teor desta proposta.

Em 2010, no Rio Grande do Sul, o PSOL ficou relativamente próximo de atingir o quociente eleitoral (QE) para deputado federal, mas não o fez e, como conseqüência, Luciana Genro, parlamentar do partido, que teve 129.501 votos, nona maior votação do estado, não se reelegeu.

A Tabela 1 desfila os resultados daquela eleição gaúcha, na qual cinco coligações e um partido (PT) que disputou isoladamente ultrapassaram o QE de 198.882 votos válidos. O PSOL teve 19.304 votos abaixo do QE e, pelos artigos de 106 a 109 do Código Eleitoral, ficou alijado da disputa, não concorrendo às sobras de votos.

Fonte: elaboração do autor, com base em dados do TSE/TRE.

Note-se na Tabela 1 que apenas 26 parlamentares foram eleitos num primeiro momento (vide terceira coluna), restando cinco vagas a preencher das 31 que compõem a bancada gaúcha na Câmara Alta. Essas vagas iniciais, como se sabe, correspondem aos números inteiros dos quocientes partidários das agremiações ou alianças que superaram o QE. A alocação das vagas restantes é feita em cinco rodadas de cálculo pela fórmula D’Hondt de maiores médias. A Tabela 2 mostra essas maiores médias.

A média mais alta da primeira rodada de cálculos coube à coligação PMDB/PSC, a segunda foi obtida pelo PT, a terceira é da coligação de 8 partidos apresentada na Tabela 1, a quarta foi conquistada pela coligação  PR/PSB/PCdoB e, finalmente, a quinta pela aliança PDT/PTN.  O partido e as coligações que lograram essas maiores médias preencheram as cinco cadeiras restantes, conforme mostra a última coluna da Tabela 1.

Fonte: elaboração do autor, com base em dados do TSE/TRE.

Admita-se, todavia, que a legislação, de forma mais coerente com a filosofia do sistema proporcional, permita aos partidos ou coligações disputarem as sobras eleitorais, mesmo sem terem atingido o QE.

Nesta hipótese, a quinta média mais alta seria do PSOL, com 179.578 votos, média acima da obtida pela coligação PDT/PTN. Portanto, o PSOL ficaria com a quinta vaga e a coligação PDT/PTN, que já conquistara duas vagas, não lograria ocupar a terceira. Como os mais votados do partido é que ascendem ao Parlamento, a então deputada Luciana Genro seria reeleita.

Em resumo, a alteração da legislação permitindo que siglas que não atinjam o QE possam participar das sobras de votos, mais do que uma justiça para partidos que tenham alguma densidade eleitoral, é um retorno aos princípios básicos do modelo proporcional de partilhar as cadeiras do Parlamento entre todos os segmentos da sociedade, representados pelos partidos políticos.

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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e de Mercado, e do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br. https://mauricioromao.blog.br.

 * “Eleições de deputados e vereadores: compreendendo o sistema em uso no Brasil”, Editora Juruá, 2012.

 “Três propostas de aperfeiçoamento do sistema brasileiro de eleições proporcionais”. Trabalho apresentado no VI Congresso Latino-Americano de Ciência Política, organizado pela Associação Latino-Americana de Ciência Política (ALACIP). Quito, 12 a 14 de junho de 2012

 

 

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