Maurício Costa Romão
A Lei 13.165/2015, conhecida como lei da minirreforma, que instituiu cláusula de desempenho individual como barreira à ascensão de candidatos de baixa votação ao Legislativo, deve ser celebrada como um aperfeiçoamento do sistema proporcional de lista aberta.
Houve duas tentativas recentes na Câmera Federal de corrigir essa distorção do sistema proporcional, qual seja a de abrigar a possibilidade candidatos com altíssimas votações, os chamados “puxadores de voto”, arrastarem para o Parlamento postulantes com votações irrisórias.
Uma se deu através do PL 5735/13 e outra pela PEC 352/13. Ambos propunham cláusula de desempenho individual: o candidato só seria eleito se obtivesse votação igual ou superior a um dado percentual do quociente eleitoral, 10%, por exemplo.
Durante a discussão da minirreforma na Câmara dos Deputados, em 2015, já havíamos apontado que a redação dos artigos relacionados à referida cláusula, nas duas propostas, era confusa, omissa e inconsistente. Os dois projetos não conseguiam responder ao desafio comum que lhes era lançado: como substituir os candidatos que, eleitos pelo quociente partidário, não lograram atingir a votação mínima exigida?
O PL 5735 simplesmente excluía das rodadas de cálculo de maiores médias todos os candidatos que não atingiram o percentual mínimo requerido e a PEC 352 ousou na complexidade ao instituir um componente majoritário no bojo do sistema proporcional em que os suplentes mais votados da eleição seriam chamados para ocupar as vagas abertas. A afronta à evidência empírica se mostrou patente em ambos, nos vários exemplos apresentados.
A atual Lei 13.165/2015, gestada do PL 5735, albergou praticamente os mesmos defeitos do projeto que lhe deu origem, ademais de suscitar novos, no tocante à parte que trata da cláusula de desempenho individual.
Tanto assim é que, em 3 de dezembro de 2015, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu parcialmente liminar, na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5420, ajuizada pelo Procurador Geral da República (PGR), Rodrigo Janot, que argumentou ter a redação do Inciso I do art. 109 da Lei 13.165 substituído um divisor que antes era variável por um fixo, o quociente partidário, ofendendo o regime representativo e o sistema de representação proporcional.
Na concessão da liminar, a decisão monocrática do ministro Toffoli está exarada, na sua conclusão, nos seguintes termos, ipsis litteris:
“Assim como assim, concedo parcialmente a medida cautelar pleiteada, ad referendum do Plenário, para suspender, com efeito ex nunc, a eficácia da expressão “número de lugares definido para o partido pelo cálculo do quociente partidário do art. 107”, constante do inc. I do art. 109 do Código Eleitoral (com redação dada pela Lei nº 13.165/2015), mantido – nesta parte – o critério de cálculo vigente antes da edição da Lei nº 13.165/2015” (grifo no original).
Poucos dias depois desta decisão o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) editou a Resolução de nº 23.456, de 15 de dezembro de 2015, já modificando a redação original do art. 109 da Lei 13.165, in verbis:
“Art. 147. Determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número de votos válidos apurados pelo número de lugares a preencher, desprezando-se a fração, se igual ou inferior a meio, ou arredondando-se para um, se superior (Código Eleitoral, art. 106, caput).
Art. 148. Determina-se, para cada partido político ou coligação, o quociente partidário dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos válidos dados sob a mesma legenda ou coligação, desprezada a fração (Código Eleitoral, art. 107).
Parágrafo único. Estarão eleitos, entre os candidatos registrados por um partido ou coligação que tenham obtido votos em número igual ou superior a dez por cento do quociente eleitoral, tantos quantos o respectivo quociente partidário indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido (Código Eleitoral, art. 108).
Art. 149. Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários e a exigência de votação nominal mínima a que se refere o art. 148 serão distribuídos mediante observância das seguintes regras (Código Eleitoral, arts. 108, parágrafo único, e 109):
I – o número de votos válidos atribuídos a cada partido político ou coligação será dividido pelo número de lugares por eles obtidos mediante o cálculo do quociente partidário mais um, cabendo ao partido político ou à coligação que apresentar a maior média um dos lugares a preencher, desde que tenha candidato que atenda à exigência de votação nominal mínima (Código Eleitoral, art. 109, inciso I);
II – será repetida a operação para a distribuição de cada um dos lugares (Código Eleitoral, art. 109, inciso II);
III – quando não houver mais partidos ou coligações com candidatos que atendam às duas exigências do inciso I, as cadeiras serão distribuídas aos partidos que apresentem as maiores médias (Código Eleitoral, art. 109, inciso III).
§ 1º Calculada a primeira sobra na forma do inciso I, na repetição de que trata o inciso II, a distribuição das demais vagas considerará, para efeito do cálculo da média, o previsto no inciso I e também as sobras que já tenham sido atribuídas ao partido ou à coligação, em cálculos anteriores.
§ 2º No caso de empate de médias entre dois ou mais partidos políticos ou coligações, será considerado aquele com maior votação (Res.-TSE nº 16.844/1990).
§ 3º Ocorrendo empate na média e no número de votos dados aos partidos políticos ou às coligações, prevalecerá, para o desempate, o número de votos nominais recebidos pelo candidato que disputa a vaga.
§ 4º O preenchimento dos lugares com que cada partido ou coligação for contemplado se fará segundo a ordem de votação nominal de seus candidatos (Código Eleitoral, art. 109, § 1º)”.
Embora muito mais detalhada, buscando não deixar lacunas, e já albergando a correção apontada pela douta PGR na ADI 5420, a Resolução do TSE não consegue evitar as graves falhas de sua concepção, no que tange ao problema do preenchimento de vagas de candidatos substitutos daqueles que não conseguiram o atingimento dos requisitos de desempenho individual.
Tome-se um exemplo para realçar o objeto da crítica. Numa eleição de 25 vagas em disputa admita-se que os partidos ou coligações tenham obtido 23 vagas diretamente pelo quociente partidário, todas elas ocupadas por candidatos que atendam ao requerimento de votos estipulado.
Aplica-se agora o método D´hondt das maiores médias para distribuição das duas vagas por sobras, conforme os termos dos Incisos do art. 149 acima descritos.
Imagine-se que numa primeira rodada de cálculos das maiores médias a coligação C, que havia elegido 16 parlamentares pelo quociente partidário, tenha conquistado mais uma vaga por média, ocupada naturalmente por candidato que tem votação superior aos 10% do quociente eleitoral.
Resta, portanto, uma vaga a ser preenchida para completar as 25 cadeiras do Legislativo.
Suponha-se que na última rodada de cálculos de distribuição das sobras a média mais elevada foi alcançada ainda pela coligação C, mas o postulante mais bem votado da aliança nesta rodada não alcançava a votação mínima exigida.
Faz-se nova rodada de cálculos (Inciso II, do art. 149, acima exposto) buscando preencher este lugar no rol de todos os partidos e coligações que disputam a primazia de lograr a maior média.
Admita-se que os demais partidos ou coligações também não tenham em suas fileiras mais ninguém com o perfil de votação estipulado pelo parágrafo único do art. 148 da Resolução em tela.
Então, pelo Inciso III do art. 149, a última vaga, que não pôde ser preenchida por não ter nenhum candidato com votação igual ou superior a 10% do quociente eleitoral, deverá ser alocada ao partido ou coligação que obteve a maior média.
No nosso exemplo, a vaga vai para a coligação C, que ficaria com 18 candidatos eleitos.
Ora, estabelece-se aí uma contradição absoluta: a vaga seria preenchida na coligação C, a de maior média, justamente pelo candidato (vide § 4o do Inciso III, do art. 149) que foi expurgado por inobservância do mínimo requerido!
E, ao final, o que restaria? O descumprimento da lei, já que um dos postulantes ao Legislativo ocuparia vaga sem atender aos preceitos estabelecidos.
Este é apenas um exemplo dos muitos que podem ser extraídos das dificuldades da Lei 13.165 de lidar com o problema de se preencher vagas no Legislativo diante da instituição de cláusula de desempenho individual nas eleições proporcionais.
Resolvendo o problema
É cabível, de início, precisar a real natureza do problema: trata-se de como alocar vagas abertas em decorrência de que determinados candidatos, tendo sido guindados ao Legislativo pelo quociente partidário logrado por sua aliança ou agremiação, não poderão ser declarados eleitos por não atingimento dos limites ditados na cláusula de desempenho individual (CDI).
Faz-se mister registrar ainda, por oportuno, que o propósito principal da medida que embasa a CDI é impedir que candidatos de votações olímpicas possam eventualmente ter assento no Parlamento.
Então, pela lógica, todas as votações que estejam abaixo dos limites estabelecidos como barreira pela CDI devem ser expurgadas do sistema, não deixando brecha para eventuais ocorrências que se pretendem evitar.
Não há dificuldade em atingir esse desiderato.
Numa primeira etapa, procede-se como é feito atualmente: calculam-se os votos válidos e o quociente eleitoral do pleito. Não se alocam ainda as cadeiras entre partidos ou coligações.
Na segunda etapa, usa-se o percentual estipulado da CDI sobre o quociente eleitoral calculado na fase anterior.
Agora, na lista original do resultado da eleição, em que constam os nomes dos candidatos e suas respectivas votações, dá-se um comando computacional expurgando todas as votações individuais que estejam abaixo do limite fixado na CDI.
E, do ponto de vista do espírito do legislador, não são exatamente os candidatos com estas votações que se quer evitar ascendam ao Parlamento?
Note-se que esta metodologia é uma forma também de evitar a reiterada ocorrência daquele enorme conjunto de votações irrisórias, inclusive as de votação zero, sempre vistas em todas as eleições. A famosa “cauda” diminuiria drasticamente o seu valor de mercado.
Extraídas as votações que não se enquadram nos requisitos estabelecidos, tem-se como resultado um novo quantitativo de votos válidos e, por via de consequência, um novo quociente eleitoral, ambos mais baixos que os originais.
A alocação de cadeiras entre partidos, então, se fará regularmente consoante o quociente partidário e a distribuição de sobras pelo método D’Hondt das maiores médias.
A única diferença é a de que o conjunto dos votos válidos nesta fase segunda é composto por votações individuais sempre maiores que o limite da CDI.
Note-se, e isto é muito relevante, que nenhuma das complicações expostas no âmbito da Lei 13.165 (e na frustrada tentativa de correção constante da Resolução 23.456 do TSE) aparece neste mecanismo ora apresentado.
Tem-se, enfim, que o preenchimento de vagas por substituição de candidatos que não tenham atingido o threshold exigido será feito sempre por postulantes com votação adequada aos ditames da lei.
———————————————————-
Maurício Costa Romão é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. https://mauricioromao.blog.br.mauricio-romao@uol.com.br
Bom dia, estou com uma dúvida na questão dos suplentes de vereadores, no caso do partido ter direito a uma cadeira e o titular foi convidado a assumir uma secretaria municipal, foi convocado o suplente, no entanto, esse suplente não atingiu votação que atingisse os 10 % do quociente eleitoral, nesse caso ele pode assumir mesmo assim?