Marcos Coimbra
29/04/2012
Na semana que passou, houve votações de grande importância na Câmara dos Deputados brasileira e no Senado argentino. Ambas foram concluídas na quarta feira. Cessam aí as coincidências. Brasil e Argentina são muito diferentes em sua cultura política. Aqui, naquele dia, o governo foi derrotado por uma expressiva maioria. Apurados os votos, a proposta do novo Código Florestal, já aprovada no Senado e que contava com o apoio explícito do governo, recebeu o endosso de apenas 189 deputados. Contra, manifestaram-se 274. 2 abstenções foram computadas.
Lá, o Senado aprovou, por quase unanimidade, o decreto presidencial que expropriava as ações da espanhola Repsol na YPF, a maior empresa petroleira do país. De 70 senadores, 63 pronunciaram-se a favor, 3 contrários e 4 se abstiveram.
Foram decisões a respeito de temas polêmicos e de impacto relevante na vida e no futuro dos dois países. Entre outras coisas, por afetar suas relações internacionais e imagem externa.
Um Brasil menos disposto a fazer com que sua agropecuária seja pautada por regras rigorosas de proteção ambiental pode enfrentar dificuldades crescentes para permanecer como um dos principais abastecedores do mercado mundial. É possível que não tenhamos problemas para continuar vendendo a compradores pouco exigentes. Mas é provável que eles se multipliquem quando, do outro lado da mesa, estiverem consumidores ambientalmente zelosos.
O anúncio de que Cristina Kirchner desapropriaria a participação da Repsol na YPF – desde que aprovada pelo Congresso – foi recebido com veementes protestos, vindos de vários lados.
Puxando a fila, estavam, naturalmente, os acionistas e administradores da Repsol. Também o governo espanhol, que queria tudo, menos ter de lidar com novas dificuldades, justo quando mal consegue responder à crise econômica que atinge o país.
Apoiando-o, os demais governos europeus repudiaram a medida, alguns apenas por solidariedade, outros pensando com o bolso.
Os comentaristas de economia mais “liberais” ficaram escandalizados com a desfaçatez argentina. Para eles, invocar o interesse nacional e reestatizar a YPF é um pecado tão abominável que merece castigo eterno: passaram a profetizar que o país nunca mais receberia um tostão de investimento externo.
Aqui, o governo perdeu para uma coalizão esdrúxula. De um lado, constituída por parlamentares ligados ao agronegócio e eleitos em regiões de fronteira – cujo voto é legítimo e inquestionável. De outro, formada pelos deputados da oposição, que queriam infligir uma derrota a seus adversários do lulopetismo.
Se votassem com a consciência, muitos teriam agido de outra maneira, aprovando a redação do Código desejada pelo governo Dilma – como fizeram alguns senadores oposicionistas quando a matéria estava na Câmara Alta. Mas não foi esse seu comportamento: preferiram deixar suas convicções em segundo plano e votar “politicamente”.
Na Argentina, a quase unanimidade sugere que os senadores pensaram de maneira diferente. Embora minoria, os políticos da oposição – pois, na Câmara, espera-se consenso semelhante – votaram sem considerar a filiação partidária.
Das muitas lições que, humildemente, podemos receber de outros países, nos deram uma: há momentos e situações que exigem, das oposições, mais que coerência anti-governo.
Nesses, que votem no que acreditam. Mesmo que isso as leve, circunstancialmente, a concordar com o inimigo.
Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi