O PROJETO “ELEIÇÕES LIMPAS” E O SISTEMA DE VOTO

Maurício Costa Romão

O projeto intitulado “Eleições Limpas”, de reformulação do sistema político brasileiro, subscrito por respeitadas instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), e mais de 100 entidades da sociedade civil, foi apresentado ao Congresso Nacional na forma de Projeto de Lei de Iniciativa Popular.

O projeto, embalado pelas manifestações de rua do meio do ano, e recomendado pelo prestígio dos seus proponentes, tem tido enorme acolhida nos meios de comunicação e sido muito bem recepcionado urbi et orbi.

A proposta de reforma do sistema eleitoral embutida no projeto prevê eleições em dois turnos. No primeiro, os eleitores votam apenas nos partidos. Definidas as vagas conquistadas, os partidos apresentam a julgamento do eleitor, no segundo turno, uma lista pré-ordenada de candidatos, em número correspondente ao dobro das vagas obtidas. Os mais votados dos partidos ou coligações serão considerados eleitos.

Apresentada pelos subscritores como um sistema “proporcional misto”, a proposição é, na verdade, uma variante do modelo proporcional de lista fechada flexível (os eleitores podem modificar a posição dos nomes na lista), com a desnecessária complicação de dois turnos.

Essa proposta carece de muitos reparos:

(1) é complexa (o eleitor vota duas vezes, em dois turnos, em partidos e em nomes);

(2) é incoerente (propõe lista pré-ordenada para fortalecer os partidos e, ao mesmo tempo, abre espaços para coligações proporcionais);

(3) estimula drasticamente a alienação eleitoral (os eleitores de partidos e de candidatos que não forem para o segundo turno não têm estímulo para ir votar neste turno, ensejando maior abstenção, e, os que forem, tendem a votar em branco ou anular voluntariamente o voto).

Empacotada como corretora das mazelas do atual modelo brasileiro de lista aberta, a sugestão apresentada, na verdade, mantém as mesmas deformações mais gritantes:

(4) não evita que candidatos menos votados que outros sejam eleitos;

(5) mantém a ocorrência de desproporcionalidade intracoligações (as cadeiras não são ocupadas de acordo com a proporção de votos recebidos pelos partidos);

(6) não impede transbordamento de votos do “puxador” para candidatos com pouca dimensão eleitoral (quer dizer, permite o “efeito Enéas”).

Ademais, o novo sistema padece das desvantagens dos mecanismos proporcionais de lista fechada, mesmo com a alternativa de se votar em candidatos no segundo turno:

(7) reduz a liberdade de escolha do eleitor (os candidatos já são pré-definidos);

(8) ocorre intensa luta pelo poder, oligarquização e pouca renovação de quadros no âmbito dos partidos;

(9) diminui o vínculo entre o eleitor e o candidato (a relação maior do eleitor passa a ser com o partido).

Não cabem dúvidas sobre os elevados propósitos das entidades que apoiam o projeto Eleições Limpas: contribuir para o aperfeiçoamento do sistema político-eleitoral do país, submetendo importantes sugestões à analise da sociedade e do Congresso Nacional.

A propositura do sistema de voto constante do documento, todavia, parte do falso pretexto de que o mecanismo proporcional vigente é responsável pelos vícios e mazelas do sistema político brasileiro e sugere sua substituição por uma esdrúxula modalidade que, sob todos os títulos, é um retrocesso em relação ao modelo atual.

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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e Institucional, e do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br, https://mauricioromao.blog.br.

 

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