O PROBLEMA DA DIVISÃO PROPORCIONAL (Parte II)

O PROBLEMA DA DIVISÃO PROPORCIONAL (Parte II)

Maurício Costa Romão

 No texto anterior (Parte I) viu-se que no Brasil a quota Hare (QH) denomina-se quociente eleitoral (QE). Se do total V de votos da eleição se subtraírem os votos em branco (VB) e os votos nulos (VN), tem-se os votos válidos (VV), que são os votos com os quais o TSE totaliza os resultados das eleições. O quociente eleitoral é dado então por:

QE = VV / C

 

 

A razão intuitiva QH (ou seu equivalente brasileiro QE) pode, em princípio, ser a métrica ideal para distribuir proporcionalmente cadeiras entre partidos, de acordo com as respectivas votações, desde que os quocientes derivados da divisão dessas votações pela razão QH resultassem em números inteiros cuja soma fosse a quantidade de cadeiras a preencher.

Por exemplo, imagine-se uma eleição em determinado município (circunscrição eleitoral) cuja Câmara dos Vereadores tivesse dez vagas (cadeiras) legislativas. Admita-se que os partidos concorrentes A, B e C obtiveram 9.000, 5.400 e 3.600 votos respectivamente. A questão clássica com a qual se defrontam os sistemas proporcionais é, nesse exemplo, como repartir as dez vagas de vereadores entre os partidos A, B e C em consonância com a proporção de votos por eles obtida?

Neste exercício muito simples percebe-se logo que o partido A, com 9.000 votos, teve metade dos votos totais do pleito (18.000), fazendo jus a 50% das vagas, isto é, a cinco vagas. B e C, por sua vez, ficaram com 30% e 20% dos votos totais, conquistando três e duas cadeiras respectivamente.

Outra maneira de visualizar o problema é verificar quanto “vale” uma cadeira, em termos de votos, e confrontar esse valor com os votos de cada partido, individualmente, para saber quantas vezes o valor de uma cadeira “cabe” dentro da votação de cada partido. No caso em apreço, esse valor, o número de votos por cadeira, é 1.800 votos, resultado da razão V/C (18.000 ÷ 10). O que é preciso saber, na verdade, é quantas vezes as votações individuais dos partidos superam esse valor.

Bem, se cada cadeira for equivalente a 1.800 votos, o partido A, que obteve 9.000 votos, terá direito a cinco vagas; elegendo 5 vereadores (9.000 ÷ 1.800 = 5), o partido B ficará com três vagas (5.400 ÷ 1.800 = 3) e, finalmente, o partido C elegerá 2 vereadores (3.600 ÷ 1.800 = 2), preenchendo-se, assim, todas as dez cadeiras do Legislativo.

Note-se, neste exemplo, que os votos atribuídos a cada partido são sempre múltiplos da quota Hare, de que resultam quocientes inteiros (5, 3 e 2). O problema com essa fórmula eleitoral é que, na prática, no mundo real das eleições, quase nunca a divisão dos votos dos partidos pela quota Hare resulta em números inteiros.[1] O normal mesmo é a ocorrência de números fracionários.

No exercício que se acaba de expor, basta mudar ligeiramente os votos dos partidos A, B e C para, por exemplo, 9.300, 5.300 e 3.400 respectivamente, mantendo-se o total de votos em 18.000, para se verificar que os quocientes serão todos fracionários: 5,17, correspondente aos votos de A divididos pela quota Hare; 2,94, o número associado ao partido B e 1,89, o do partido C.

Veja-se agora que a soma das partes inteiras desses novos quocientes (5 + 2 + 1) compreende um total de oito cadeiras, e não de dez, como no exercício original. Há falta de duas cadeiras em razão da sobra de votos não considerados, cujo total é exatamente igual às duas cadeiras correspondentes (0,17 + 0,94 + 0,89 = 2).

Essas partes fracionárias são chamadas na literatura especializada de “restos” ou “sobras”, no sentido de que são sobras de votos não computados. Nas eleições parlamentares, sempre e invariavelmente ocorrem sobras. Como distribuir essas sobras, o que equivale à determinação de como alocar as cadeiras restantes entre os partidos concorrentes, constitui-se num dos grandes e debatidos problemas dos sistemas proporcionais.

 



[1] O “quase nunca” da frase deve-se a uma precaução matemática: podem acontecer casos excepcionais, e acontecem! O famoso exemplo da eleição de 2002 para deputado federal, em São Paulo, é o mais ilustrativo desse fenômeno. O quociente eleitoral daquele pleito, divulgado pelo TRE-SP após as votações, foi de 280.129 votos. O Prona obteve 1.680.774 de votos válidos, resultando em um quociente exato de 6 quando se dividem os votos pelo quociente eleitoral. O partido conquistou, portanto, seis cadeiras.

 

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