O POBRE E O PAUPÉRRIMO

MAURÍCIO COSTA ROMÃO

“A estrada até que não é das piores. Mas o cascalho e a poeira vermelha subindo da Rodovia PE-244 — que corta a caatinga, ligando Águas Belas ao distrito de Curral Novo — já anuncia o que vem pela frente: ruas sem calçamento, torneiras secas, motos conduzidas por crianças e adolescentes, carne de boi fresca sendo transportada em carroças sem higiene e cabritos sacrificados à luz do sol, em plena praça pública. As cenas são do cotidiano dos 11 mil habitantes de Curral Novo, um dos distritos que pretendem se emancipar”. Em Curral Novo (PE), falta água, asfalto e IPTU, Letícia Lins, O Globo, 25/05/2013.

“O Distrito de Curral Novo apresentou nos últimos anos, significativo crescimento econômico e populacional, o que requer infraestrutura básica e serviços que permitam o desenvolvimento ordenado e compatível com sua vocação de polo agropecuário… Em razão de seu potencial de arrecadação fiscal em produtos e ou serviços, permitirá investimentos que irão garantir uma melhor qualidade de vida…” Justificativa do Projeto de Lei 131/11 de criação do município de Curral Novo, apresentado à ALEPE pelo dep. Claudiano Martins Filho.

Está em vias de ser votado na Câmara Federal o Projeto de Lei Complementar 416/2008, que regulamenta a criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios no Brasil. Se aprovado, os estados retomam o poder de legislar sobre a questão.

A Confederação Nacional dos Municípios estima que há 700 projetos de criação de novos municípios (Júlia Schiaffarino, DP, 12/05/2013) espalhados pelas Assembléias estaduais, aguardando o resultado do PL 416. Só no Legislativo de Pernambuco (ALEPE), por exemplo, estão apresentados 24 projetos.

Tome-se um desses projetos da ALEPE, o do distrito de Curral Novo, proposto ser desmembrado do município de Águas Belas, à guisa de exemplo, e imagine-se, com as devidas ressalvas de praxe, que seu protótipo seja representativo de uma grande parte desses 700 projetos mencionados.

O município de Águas Belas, situado no semiárido pernambucano, a 303 km do Recife, tem uma população relativamente grande de 40.235 habitantes, e desfila indicadores sociais e econômicos prá lá de desencorajadores.

A Federação da Indústria do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) desenvolveu o Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), que permite comparar níveis de desenvolvimento humano, econômico e social dos municípios do Brasil, através de um indicador sintético de três componentes: emprego e renda, educação e saúde.

Os dados de 2012 apontam que, dos 5.565 municípios brasileiros, Águas Belas ocupa uma das últimas posições, em termos do IFDM, ficando em 5.027º lugar. Do ponto de vista estadual, o desempenho do município é não menos bisonho: 179º lugar num total de 184 municípios.

Segundo informações do Condepe para 2011, o município tem uma receita corrente de R$ 52 milhões, mas apenas R$ 1,5 milhão é de arrecadação tributária, o que equivale a tão somente 2,9% de geração de receita própria.

Desse total de R$ 52 milhões, R$ 48 milhões são de transferências, incluindo R$ 18 milhões da cota-parte do FPM (38%) e R$ 21 milhões de receitas carimbadas (SUS e FUNDEB). 

Com 13 secretarias, um instituto de previdência, uma controladoria, uma assessoria especial de comunicação, uma procuradoria geral, uma chefia de gabinete, etc., não surpreende que as despesas com pessoal atingissem R$ 26 milhões em 2012 (53,73% da RCL), ultrapassando o limite prudencial (51,30% da RCL) e já batendo no teto de 54,00% permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Numa conta grosseira, porém não distante da realidade, de 100% de arrecadação total, 54% vão para pessoal, 40% para o SUS e o FUNDEB, uns 5% referem-se a outras despesas vinculadas (convênios e outras transferências) e a repasses do duodécimo do poder legislativo e, talvez, sobre 1% para ser destinado à despesa de investimento, fechando os 100%.

Não há necessidade de nenhum detalhe adicional sobre a tragédia socioeconômica que revelam os números de Águas Belas e de seu distrito Curral Novo. O que cabe agora são as seguintes perguntas:

Sendo Águas Belas um município pobre, o seu distrito, Curral Novo, cujo perfil socioeconômico se assemelha ao da sede, não seria pobre também, já que os indicadores negativos referentes à sede incluem o distrito?

E não é exatamente por ser pobre e se sentir desassistido pelo município-mãe que o distrito pleiteia emancipação? Sendo pobre e desassistido, sem os equipamentos urbanos e serviços da cidade-sede, não é lícito inferir que o distrito é mais pobre que a sede?

Sendo o distrito mais pobre que a sede, e se a sede já sobrevive capengando, como é que o distrito vai manter-se, autonomamente, desmembrado da sede?

Se o município-mãe tem irrisória arrecadação própria e depende de transferências correntes, altamente comprometidas com despesas vinculadas e de pessoal, como é que o distrito, que é mais pobre, “Em razão de seu potencial de arrecadação fiscal em produtos e ou serviços, permitirá investimentos que irão garantir uma melhor qualidade de vida…”?

Não seria lógico concluir, então, que ao desmembrar Curral Novo de Águas Belas, está-se criando um município paupérrimo, nascido das entranhas de outro já pobre?

E se o novo município é paupérrimo, não se poderia deduzir daí que ele não tem condições de manter-se sem a ajuda dos poderes públicos federal e estadual?

E se assim é, por que dizem que não é, e insistem em criá-lo?

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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e Institucional, e do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br https://mauricioromao.blog.br.

 

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