O LOTEAMENTO DE VOTOS

 

Editorial do Jornal do Commercio, 02/10/2011

Pernambuco está em processo de loteamento eleitoral descarado, como nunca se viu tão ostensivamente. É verdade, não se trata de uma grande novidade em nosso histórico político-eleitoral, mas agora as lideranças deixam muito claro que política é algo muito distante dos interesses dos governados. Antes de colocarem o problema da população na mesa e discutir o que pode e deve ser feito, o fundamental parece ser traçar os interesses partidários em determinado curral eleitoral ou, não sendo ainda um curral, tratar de conquistar a área. Para que, é outro problema.

É lastimável isso que Pernambuco está assistindo. Mais ainda quando se vê que alguns dos seus personagens ganharam força eleitoral à sombra do ex-governador Miguel Arraes, que voltou do exílio com o mesmo discurso que o fez governador pela terceira vez: o fundamental é o interesse da população, o que precisa a comunidade, o que pode ser feito para atender às necessidades coletivas, antes, muito antes de discutir nomes. Em todas as eleições de que participou, em todas as entrevistas que deu, Arraes pontilhava sempre: o nome do candidato não é importante. Importante é o que ele se propõe a fazer pelo povo.

Pois bem: essa lição foi esquecida. Agora, o importante parece ser quem vai conquistar território tal ou qual. É um retrocesso muito grande, porque isso significa que estamos preservando os mesmos vícios, os mesmos cacoetes do passado condenável, quando se tinha – principalmente nós, no Nordeste – o estigma do coronelismo, rural e urbano, dominando currais eleitorais, responsáveis em boa parte pelo nosso atraso histórico. Esse loteamento de votos é mais lastimável ainda por ter personagens com uma trajetória política respeitável, sem nódoas de natureza ética e até com bom desempenho no Congresso Nacional. Parece-nos, diante do que está acontecendo, que a lição é perniciosa para a pedagogia política que se espera no cotidiano para a nossa juventude, para as gerações que chegarão ao poder cedo ou tarde. Se hoje aprendem que tudo vale para chegar ao poder, o que esperar delas senão a repetição dos mesmos vícios que retardam o avanço de nossas cidades? Como esperar que se voltem para problemas tão graves quanto os que estamos vivendo nos grandes centros urbanos, a começar pela ausência de saneamento, a reprodução e o avanço dos sinais de miséria absoluta, como foi visto em recente reportagem deste JC sobre os habitantes noturnos do Recife – ou pode ser visto a qualquer hora do dia em ruas centrais da capital?

Diante disso, é preocupante ver lideranças políticas dizerem abertamente que podem escolher cidade tal ou cidade qual para definir o domicílio eleitoral no prazo legal e sair candidato a prefeito no próximo ano. Isto é: estamos perante uma fogueira de vaidades, jogo de ambições, corrida pelo poder, voracidade partidária, mas, nunca, perante cidadãos e cidadãs que deveriam ganhar a confiança do povo pelo que podem fazer de bom para todos.

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