Maurício Costa Romão
“Aprovação de Dilma tem 1ª queda, de 8 pontos, e vai a 57%”(Manchete da FSP, primeira página, 9/06/2013).
“Pela primeira vez a popularidade da presidente Dilma Rousseff caiu. Pesquisa Datafolha revela que 57% da população avalia sua gestão como boa ou ótima…” (idem, matéria na primeira página).
“Avaliação do governo Dilma: respostas estimuladas e únicas, em %” (subtítulo do gráfico principal, ibidem)
No quesito “avaliação da administração” dos governantes, os institutos de pesquisa costumam inquirir os respondentes de duas maneiras: uma, indagando se o mandatário está realizando uma administração “ótima, boa, regular, ruim ou péssima”, outra, instando-os a declararem se “aprovam ou desaprovam” a gestão em andamento.
Esta última forma, apesar de mais direta, intuitiva, e de fácil interpretação, deixa de fora do leque de opções do entrevistado as eventuais manifestações intermediárias entre as duas indagações.
Já a mais usual pergunta, a da categoria que vai de ótimo a péssimo, oferece cinco alternativas ao entrevistado. É quase exaustiva, mais complexa, porém pode ser considerada de relativa assimilação, exceto, talvez, pela abrangência da subcategoria “regular”.
A categoria de ótimo a péssimo, contudo, não propicia, na grande parte das vezes, uma visão clara da avaliação do governante, dando margem a várias interpretações, dependendo de como a leitura dos números é feita.
Por exemplo, o Datafolha, em 4 e 5 de abril deste ano, aferiu a avaliação da administração do prefeito Fernando Haddad em São Paulo: 31% de ótimo e bom, 42% de regular e 14% de ruim e péssimo. Pergunta: essa é uma avaliação boa? É uma avaliação ruim? É uma avaliação mais ou menos? Qual é o critério que se tem para classificar a administração como tendo uma avaliação boa, ruim ou mais ou menos?
O próprio Datafolha não emitiu opinião sobre se os números da pesquisa sugeriam que a gestão do alcaide paulistano poderia ser enquadrada como boa, ruim ou regular. E nem poderia fazê-lo. Não existe parâmetro de referência para esta classificação.
Uma válvula de escape para se ter um norte referencial é confrontar – como fez o Datafolha – os números dessa pesquisa de 4 e 5 de abril com outros de pesquisas anteriores do mesmo Instituto, realizadas em épocas assemelhadas, ainda que se refiram a administrações de distintos governantes (Portal UOL, em 10/04/13):
“Dentre os prefeitos em primeiro mandato a partir de Luiza Erundina, a performance em começo de governo [de Haddad, nosso adendo (MCR)] só não supera a de Marta Suplicy (PT), que, em abril de 2001, teve 34% de ótimo ou bom. Com cem dias, Gilberto Kassab (PSD) e José Serra (PSDB) tinham 16% e 20% de aprovação, respectivamente”.
Veja-se, en passant, que o Datafolha só cotejou as respectivas aprovações (ótimo + bom) das gestões dos governantes paulistanos. Nenhuma menção é feita às subcategorias regular e ruim e péssimo.
Buscando preencher esse vácuo metodológico sugerimos recentemente (vide “Pesquisas eleitorais: construindo um ‘índice de avaliação da administração’”, publicado em nosso blog) um indicador sintético, consequentemente objetivo, de fácil apreensão, que pudesse exprimir, sem margem de dúvidas, o sentimento do eleitor sobre a avaliação da administração do governante extraída das pesquisas eleitorais.
O índice proposto, denominado de Índice de Avaliação da Administração (IAA), tem a vantagem de eliminar as subjetividades envolvidas nessas leituras e deixar claro qual o grau de avaliação que foi conferido ao governante pelos eleitores, seja em pesquisas históricas (time series), seja em pesquisas contemporâneas (cross section).
O IAA mensura o saldo entre as subcategorias de ótimo (O) e bom (B) e ruim (R) e péssimo (P). Um saldo positivo significa indicador de aprovação e um saldo negativo, sintoma de reprovação.
No índice, a subcategoria “regular”, que resume o conteúdo “mais ou menos”, composto de “coisas ótimas e boas” e “coisas ruins e péssimas” da administração, é distribuída proporcionalmente entre todos os componentes da dimensão. A mesma distribuição proporcional é feita com a subcategoria residual de “não sabe, não respondeu”, sem prejuízo qualitativo.
Após as simplificações procedidas, a porcentagem de referência da dimensão avaliação da administração passa a ser agora 100% menos o percentual das subcategorias regular e não sabe não respondeu. O IAA pode ser escrito então como:
IAA = [(O+B) – (R+P)] / [(O+B) + (R+P)]
Na edição impressa do jornal Folha de S.Paulo (FSP) do domingo, dia 9/06/2013, em que foi divulgada a última pesquisa nacional do Datafolha sobre o desempenho do governo da presidente Dilma Rousseff, praticamente não há referências às subcategorias ruim e péssimo e ao resíduo não sabe, não respondeu.
Toda a atenção da reportagem é voltada para a soma dos percentuais das subcategorias ótimo e bom, que mensura, na metodologia do Instituto, indistintamente, a avaliação da administração (ou da gestão), a aprovação do governante (ou do governo) e a popularidade do mandatário.
Na tabela abaixo, nas colunas segunda e terceira, estão resumidos os achados do Datafolha, divulgados no sábado (8/06), que geraram as manchetes do jornal FSP de domingo, e tiveram fenomenal repercussão no Brasil todo.
O comparativo entre as pesquisas de março e junho mostra que sob o critério de ótimo e bom adotado pelo Datafolha a avaliação da gestão (popularidade, aprovação) da presidente caiu oito pontos, de 65% para 57%. O índice IAA também registra essa queda: a avaliação da gestão de Dilma passa de 0,81 (avaliação positiva alta, acima de 0,8) para 0,73 (avaliação positiva média, entre 0,5 e 0,8).
Veja-se que os oito pontos de decréscimo na soma das subcategorias ótimo e bom foram contrabalançados pelo aumento de dois pontos nas subcategorias ruim e péssimo e por seis pontos na subcategoria regular.
Isso quer dizer que 3/4 dos eleitores que aprovavam plenamente o governo passaram a considerá-lo apenas “mais ou menos”, ao passo que 1/4 simplesmente tornou-se mais crítico da performance da gestão petista. Esses deslocamentos não entram no cômputo do critério de avaliação do Datafolha.
Admita-se, agora, que os percentuais da pesquisa Datafolha tenham sido os listados na última coluna da tabela. Cotejados com o mês de março, os resultados simulados mostrariam a mesma queda de aprovação pela norma do Datafolha: oito pontos de percentagem.
No entanto, houve um significativo movimento de eleitores entre as subcategorias ruim e péssimo e regular (o resíduo não sabe, não respondeu continuou o mesmo: 1%), que seria solenemente ignorado pelo Instituto. Note-se na simulação que parte dos eleitores migrou do ruim e péssimo e engrossou as fileiras do regular. Quer dizer, uma parcela do eleitorado diminuiu seu desagrado com o governo, sendo menos rígido em suas críticas, e passou a achá-lo “mais ou menos”, “médio”, “assim, assim”.
Enfim, o eleitor diminuiu sua aprovação expressiva (ótima e boa) e, também, sua desaprovação completa (ruim e péssima). O modelo de avaliação do Datafolha, contudo, apenas capta essa movimentação na subcategoria ótimo e bom.
O IAA, por levar em conta todos os componentes da categoria, detectaria não só o declínio da subcategoria ótimo e bom, mas também, as oscilações migratórias havidas, registrando aumento na avaliação da administração no exemplo simulado, que passaria de 0,81 para 0,84.
Em outras palavras, uma queda (elevação) nos percentuais de ótimo e bom de uma gestão não necessariamente significa diminuição (aumento) da aprovação do governo ou do governante. Depende de que critério a performance é mensurada.
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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e Institucional, e do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br https://mauricioromao.blog.br.