Maurício Costa Romão
As características do modelo eleitoral brasileiro são as de supervalorizar a individualidade da pessoa do parlamentar, estimulando-o a não desenvolver relação mais estreita com os partidos. Isso transparece não só durante o período eleitoral, mas também no exercício do mandato legislativo.
Com efeito, o sistema de lista aberta que vem sendo adotado no Brasil na escolha de parlamentares tem como traço distintivo o fato de que cada partido apresenta uma lista de candidatos ao eleitor, o qual tem a liberdade de votar em um nome de sua preferência, não delegando a partidos o direito de fazê-lo, como ocorre no sistema de lista fechada*.
Por esse mecanismo, estabelece-se, assim, um vínculo, não entre o eleitor e o partido, mas entre o eleitor e o candidato, o que leva este a se sentir descompromissado em relação ao partido. Esse alheamento já é exercitado desde a fase de campanha eleitoral.
Durante a campanha, o candidato proporcional quase nunca se refere aos alicerces programáticos do seu partido, desenvolvendo um modus operandi de comunicação com o eleitor completamente à margem das questões ideológico-partidárias. Tais questões, definitivamente, não entram em pauta de campanha nas eleições proporcionais.
O candidato fica então desobrigado de se posicionar perante o eleitor com discurso vinculado ao programa de seu partido. A abordagem do candidato ao eleitor dá-se estritamente em termos pessoais, nunca partidários. É claro que a total indiferença do eleitor quanto a esses aspectos programáticos apenas torna a relação mais alienada e personalista.
Ademais, os próprios partidos quase nunca interferem na forma pela qual cada candidatura de seus filiados é estruturada e veiculada durante a campanha. A responsabilidade por praticamente todos os aspectos desse período é do postulante, desde os de ordem financeira, passando pelos de conteúdo de mensagens de campanha, até os de cunho físico-logístico.
A preocupação do candidato nesse período eleitoral, sem as amarras partidárias, é apenas com a própria candidatura, com seu desempenho eleitoral e, naturalmente, em função da competição intrassigla, com a desenvoltura eleitoral dos demais companheiros dentro do partido. É, ao fim e ao cabo, uma candidatura solo!
Não menos individualista é a postura do candidato eleito durante o mandato parlamentar. Uma vez que todo o percurso trilhado até o Parlamento é feito com total independência das hostes partidárias, ele se sente à vontade para assim continuar na Casa Legislativa, permanecendo com vínculos apenas formais com a sigla pela qual foi eleito. A cobrança de “fidelidade” no Parlamento se dá, ocasionalmente, por intermédio dos líderes, apenas em algumas votações consideradas estratégicas. Fora disso, é cada um por si.
Nesse contexto de tênue relação entre candidato e partido, durante o período de campanha eleitoral e do exercício do mandato, há um notório enfraquecimento dos partidos como instituições políticas, e uma concomitante exacerbação do individualismo e do personalismo do parlamentar.
Os partidos passam a ser apenas associações pelas quais o candidato pavimenta o caminho para ascender legalmente ao Legislativo. Ao chegar lá, não se sente compromissado com a sigla que o elegeu, o que, até a edição da Lei de Fidelidade Partidária (e mesmo depois dela, em menor escala) podia ser verificado, na prática, pelas constantes mudanças de partido – o conhecido “troca-troca”.
Para o parlamentar, mudar de partido é apenas uma estratégia de sobrevivência eleitoral. Se puder driblar a legislação, vai para qualquer partido, da situação ou da oposição, não importa, desde que a nova sigla lhe propicie maiores condições de elegibilidade. O próprio sistema eleitoral do País finca os alicerces dessa conduta.
O que muda nesse caráter individualista da representação parlamentar quando os partidos se unem em alianças? Absolutamente nada. Os candidatos que já se mantinham alheios às questões partidárias, quando sua sigla concorria aos pleitos isoladamente, não têm nenhum motivo para mudar de comportamento por conta da adesão de sua sigla a uma coligação, porque as coligações funcionam como se fossem partidos. Nas campanhas, as coligações não são sequer mencionadas pelos candidatos no contato com o eleitor.
Por outro lado, as coligações, principalmente as compostas por interesses meramente eleitorais, muito menos motivos têm para estimular o debate programático-doutrinário. Assim, o panorama é o mesmo também no interior das coligações: partidos de um lado e candidatos de outro, e quase nenhuma conexão entre eles.
Então, o que é uma desvantagem do sistema proporcional, no que concerne ao vínculo entre partido e candidato, permanece no contexto das alianças. Fossem essas agremiações associadas em função de identidades programáticas, então a mensagem ao eleitor precisaria ser uniformizada no interior da aliança, criando uma ponte de compartilhamento de ideias e princípios entre partido/coligação e eleitor.
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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e de Mercado, e do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br. https://mauricioromao.blog.br.
* “Eleições de deputados e vereadores: compreendendo o sistema em uso no Brasil”, Editora Juruá, 2012.