NOVAS BARREIRAS DE ACESSO AO PARLAMENTO

Maurício Costa Romão

Antes da reforma eleitoral de 2017 o acesso ao Parlamento estava circunscrito aos partidos que houvessem ultrapassado o quociente eleitoral (QE) da eleição. Tais partidos garantiam vagas diretamente pelo quociente partidário e somente eles participavam da distribuição das sobras de voto, o que lhes permitiam, eventualmente, ampliar o número de vagas conquistadas.

Essa restrição ofendia os fundamentos do sistema proporcional, segundo os quais o Parlamento deve refletir a pluralidade da sociedade, de sorte que seus vários grupos componentes, através dos partidos, grandes ou pequenos (minorias), possam ser representados na razão direta de sua importância numérico-eleitoral.

O impedimento até então vigente era injusto e antidemocrático, pois afetava especialmente os partidos menores e os estamentos sociais com déficit de representação.

A reforma de 2017 democratizou a ascensão ao Legislativo, permitindo que todos os partidos pudessem disputar vagas, mesmo os que não tivessem atingido o QE.

Mesmo com essa abertura, os partidos que não alcançarem o QE não podem, obviamente, obter vaga pelo quociente partidário, privilégio reservado àqueles que o ultrapassaram, e somente terão chances de eleger parlamentares na etapa seguinte, por média, quer dizer, concorrendo na distribuição das sobras de voto.

Ademais, são exigidas duas condições do partido que não alcançou o QE: (a) ter votação razoavelmente expressiva, acerca do QE (condição necessária) e (b) que sua votação esteja entre as maiores médias resultantes das rodadas de repartição das sobras de voto (condição suficiente).

As evidências empíricas dos pleitos de 2018 e 2020 mostraram que a abertura propiciada pela reforma premiou vários partidos que, embora exibissem certa vertebração de votos, teriam ficado fora do Legislativo.

Com efeito, na eleição para deputado federal em 2018, em 17 estados da federação, um partido ou uma coligação, em cada um desses estados, que não haviam atingido o QE, conseguiram conquistar uma vaga legislativa. Registre-se ainda que em quatro desses 17 estados, dois partidos ou duas coligações, em cada um deles, obtiveram vaga.

Já no pleito de 2020, sem coligações, dados de 5.547 municípios revelam que em 2.411 municípios (44%), siglas que não atingiram o QE conquistaram vaga, sendo que em 1.121 destes municípios as vagas foram ganhas por mais de um partido (Cadernos Adenauer 1, 2021).

Então, fica claro que o processo de democratização das sobras de voto ensejou oportunidade a que algumas siglas, normalmente as menores, mas de relativa densidade de votos, tivessem acesso ao Parlamento, o que de resto lhes seria proibido, caso a legislação não tivesse sido aprimorada.

Recentemente (1/10), sob a justificativa de evitar acesso ao Legislativo de partidos e candidatos com votações insignificantes, a Lei 14.211, editada em 1º de outubro deste ano, modificou a legislação de 2017, estatuindo nova redação do art. 109 do Código Eleitoral, inciso III, § 2º, ad litteram:

“Poderão concorrer à distribuição dos lugares todos os partidos que participaram do pleito, desde que tenham obtido pelo menos 80% (oitenta por cento) do quociente eleitoral, e os candidatos que tenham obtido votos em número igual ou superior a 20% (vinte por cento) desse quociente.”

Quer dizer, ao tempo em que a nova lei mantém os avanços consagrados na norma anterior, impõe, todavia, um piso de votação mínima de 80% do QE (explicitando, assim, a condição necessária mencionada acima) para que as agremiações possam concorrer às sobras de votos. Adicionalmente, o regramento estabelece uma votação  mínima de 20% do QE como cláusula de barreira individual para os candidatos dessas agremiações.

Do ponto de vista da prática eleitoral, vigorasse a nova lei em 2018, para o cargo de deputado federal, nos 17 estados onde houve ascensão ao Legislativo de partidos ou coligações que não alcançaram o QE, em seis desses estados os partidos ou coligações não cumpririam a exigência dos 80%. Por outro lado, nos 11 estados em que as siglas ou as coligações atenderam ao requerimento dos 80%, em quatro deles, os deputados eleitos não tinham votação igual ou superior a 20% do QE.

Daí se depreende que nova legislação pode ter certo alcance nos próximos pleitos, principalmente em um contexto sem coligações proporcionais, no seu desiderato de restringir acesso ao Legislativo aos partidos menos robustos eleitoralmente, impondo-lhes mais desafios de desempenho numérico, tanto deles próprios, quanto de seus candidatos.

O método das maiores médias (método D’hondt), usado urbi et orbi para alocar vagas legislativas de acordo com a votação dos partidos, é reconhecidamente viesado em favor das grandes siglas, as de maior votação. A nova Lei 14.211/2, ao penalizar os partidos que têm menos votos, reforça essa assimetria metodológica.

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Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. mauricio-romao@uol.com.br

 

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