Maurício Costa Romão
Dois dias depois do início dos trabalhos da nova legislatura federal, o plenário da Câmara aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição 352/13, que trata de reforma política.
A referida PEC resultou das discussões do Grupo de Trabalho de Reforma Política, coordenado pelo ex-deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP).
A PEC, abrangente e complexa, torna o voto facultativo, modifica o sistema eleitoral, mexe nas coligações proporcionais, estabelece cláusulas de barreira para candidatos e partidos, determina coincidência de eleições, proíbe reeleições, etc.
Especificamente quanto ao sistema eleitoral, a proposta é mais uma encapsulada na idéia fixa que permeou toda a legislatura 2011-2014: a de substituir o modelo vigente no Brasil por qualquer outro.
De fato, como havia dificuldade de abrigar consensos entre partidos quanto à escolha de um sistema de voto alternativo ao de lista aberta que pudesse ser aprovado, suas excelências passaram a operar esdrúxulas mutações nos modelos tradicionais de sorte a facilitar tramitações dos projetos na Casa legislativa.
Felizmente, nenhuma dessas invencionices prosperou a ponto de ser aprovada e o País livrou-se momentaneamente de ser transformado em laboratório de experimentação de sistemas de voto.
O mecanismo eleitoral proposto pela PEC 352 se enquadra bem nesse contexto experimental, misturando componentes majoritários e proporcionais, daí por que foi chamado de “distrital proporcional”. O amálgama dos dois sistemas não se deu pelos fundamentos de ambos, mas apenas para injetar ingredientes facilitadores de trâmite da proposta no Parlamento.
Com efeito, no relatório do projeto, às páginas 12 e 13, diz-se textualmente que o modelo não é o preferido por nenhum dos membros do GT, porém “por não fugir totalmente às características do sistema em vigor, pode alcançar com mais facilidade a aprovação da maioria”.
Na proposta, para a eleição de deputados, os estados serão divididos em circunscrições menores (distritos) de quatro a sete lugares a preencher na Câmara Federal e nas Assembléias Legislativas, enquanto que para a eleição de vereadores o município permanece como circunscrição eleitoral.
As eleições legislativas continuam obedecendo ao sistema proporcional de lista aberta, mas se institui cláusula de barreira individual para ascensão ao Legislativo: somente será eleito parlamentar o candidato que tiver votos nominais correspondentes a, pelo menos, 10% do quociente eleitoral de sua circunscrição.
O elemento majoritário da proposta aparece quando se estabelece que as vagas não preenchidas pelo quociente partidário e por conta da cláusula de barreira serão ocupadas pelos candidatos individualmente mais votados da eleição.
Como todos os modelos eleitorais, este também tem vantagens e desvantagens. Entre as vantagens: (1) propicia liberdade de escolha ao eleitor; (2) todos os distritos teriam representação no Parlamento; (3) o custo das campanhas tende a diminuir; (4) há correspondência entre votos obtidos e número de cadeiras; (5) há maior acompanhamento do parlamentar (accountability); (6) favorece à renovação política e (7) dificulta ascensão ao Legislativo de candidatos com votações inexpressivas.
No rol das desvantagens, incluem-se: (1) acirra a competição individual intrapartidária; (2) confere caráter personalista à representação; (3) o vínculo do eleitor é com o candidato/parlamentar, não com o partido; (4) distritos de pequena magnitude tornam o modelo proporcional semelhante ao majoritário; (5) há redução do pluralismo político e as minorias diminuem participação; (6) ocorre paroquialização do debate político por conta da ênfase em questões locais; (7) há extrema complexidade na demarcação dos distritos; (8) não evita os malefícios das coligações proporcionais; (9) não impede fragmentação partidária; (10) a vontade do eleitor sem sempre é respeitada e (11) o mecanismo não é simples (não é inteligível).
Como se vê, o modelo eleitoral da PEC 352, embora introduza algumas inovações interessantes, a exemplo da cláusula de barreira individual, não agrega mudanças convincentes que o qualifiquem como substitutivo do atual. Ademais, pelo seu conteúdo, terá dificuldades de angariar adeptos numericamente expressivos no Congresso Nacional.
Nunca é demais repetir, todos os sistemas eleitorais têm distorções. Não existe nenhum considerado perfeito, ideal, justo, que seja superior aos outros. Logo, migrar de um sistema para outro envolve ganhos e perdas.
Ora, se os sistemas se equivalem, por que então querer mudar completamente o que está em vigor no Brasil há 70 anos? Não seria mais sensato fazer-lhe as devidas lipoaspirações, extraindo suas deformações mais gritantes e, ao mesmo tempo, dotar-lhe de aperfeiçoamentos?
Suas excelências, em várias legislaturas, já deram mostras suficientes de que os modelos alternativos propostos em substituição ao vigente no País, sejam eles puros ou mistos, com ou sem variantes, não têm condição de avançar no Parlamento.
Resta provado, portanto, que ao invés de ficarem inventando monstrengos eleitorais para ter chances de aprovação em plenário, os congressistas deveriam fazer o que não fizeram até agora nas legislaturas precedentes: debruçar-se sobre o atual sistema de lista aberta, reformando-o e imprimindo-lhe significativas melhorias qualitativas.
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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Cenário Inteligência e do Instituto de Pesquisas Maurício de Nassau. https://mauricioromao.blog.br.mauricio-romao@uol.com.br