Maurício Costa Romão
Após décadas sem que o Congresso Nacional promovesse discussão mais aprofundada sobre o sistema proporcional de lista aberta, em uso no Brasil desde 1945, focado que estava em substituí-lo por qualquer alternativa, eis que, finalmente, os parlamentares promoveram as mais importantes modificações no modelo desde os seus primórdios.
Trata-se da reforma eleitoral de 2017, que consistiu principalmente da mudança constitucional que instituiu a cláusula de desempenho partidário e o fim das coligações proporcionais, além da lei que ensejou abertura para que todos os partidos pudessem disputar sobras de voto, mesmo que não tivessem atingido o quociente eleitoral.
Com essas correções, o modelo vigente não só ficou depurado de suas grandes deformações, como ensejou perspectivas de diminuir o número de partidos e sua fragmentação, pavimentando caminhos para o aperfeiçoamento do sistema político-eleitoral e da governabilidade do país.
Os resultados das eleições de 2020, aliás, já mostraram registros de diminuição de partidos com representação, suscitando alento de melhoria da qualidade mais à frente, num espectro em que subsistirão apenas as siglas mais estruturadas e competitivas.
Não tardou para que parlamentares da presente legislatura federal passassem a clamar por revisão das regras da cláusula de desempenho e do fim das coligações, sob o argumento de que boa parte das siglas não terá musculatura de votos para superar os rigores da legislação e tende a desaparecer, inclusive por inanição financeira.
A narrativa revisora, contudo, não está encontrando eco entre analistas, especialistas e em boa parte da própria classe política, diante do que os parlamentares vislumbraram ressuscitar a chamada “federação de partidos” com a qual se poderiam alcançar os mesmos objetivos salvacionistas.
Neste formato, os partidos podem unir-se, como se um único partido fosse, obedecendo a uma mesma linha ideológico-programática, votando matérias conjuntamente e obrigados a assim permanecerem durante o período da legislatura.
O alicerce dessa proposta, que mais parece uma forma camuflada de trazer de volta as coligações, não se sustenta num mosaico de partidos inorgânicos e sem ideologia definida, como é o caso do brasileiro. Neste contexto, tal artificialismo de ajuntamento de siglas transbordaria negativamente para a atividade parlamentar, com inevitáveis prejuízos para a qualidade legislativa.
Por último, outro intento revisor: busca-se no Parlamento superar os obstáculos eleitorais dos partidos transporem o quociente eleitoral, através de troca de sistema de voto por um modelo que não tenha tal barreira, como o do “distritão”, cuja proposta, diga-se, já fora derrotada no plenário do Congresso Nacional, em 2017.
Se esse desiderato de mudança de sistema de voto for alcançado, a parte nuclear da reforma eleitoral de 2017 deixa de existir, pois o regramento fora concebido segundo os fundamentos do sistema proporcional e, portanto, deve desaparecer por perda de objeto, face ao novo modelo eleitoral.
Em suma, alterações na legislação constitucional, às duras penas estatuída, devem ser prontamente repelidas pela sociedade. O caminho alternativo para os partidos com insuficiente envergadura eleitoral, de cumprir com os requisitos do novo regramento, não é, certamente, o de acabar com tais conquistas históricas, mas o de se estruturarem mediante fusão com outras siglas.
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Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. mauricio-romao@uol.com.br