
Maurício Costa Romão
Segundo o sociólogo Manuel Castells, os movimentos de rua que vem acontecendo em vários países têm, entre seus traços distintivos comuns, o caráter hibrido de ocupar simultaneamente os espaços cibernético e urbano.
No ciberespaço, através da comunicação em massa pela internet, dá-se existência contínua ás manifestações que se materializam e se tornam visíveis no espaço urbano.
Daí por que as insatisfações que ensejam os movimentos permanecem latentes, propagadas nas redes da internet, ainda que, eventualmente, haja menos ocupação do espaço público.
A ausência de compreensão desse caráter híbrido das manifestações criou a falsa impressão de que os movimentos insurgentes de junho passado no Brasil, enquanto palco de mobilização popular de rua, haviam sido de natureza episódica, visto que desapareceram repentinamente.
As manifestações de rua diminuíram, de fato, mas a população continuou a externalizar seu desencanto com a situação presente via mídia digital, particularmente através das redes sociais.
Tanto assim é que as pesquisas eleitorais, que funcionam como caixa de ressonância do pensamento da população, têm revelado que o eleitor continua sendo bem severo na avaliação da gestão dos governantes (estes, no conceito dos manifestantes, maiores responsáveis, em última instância, pelos problemas que motivaram os protestos).
As pesquisas retratam, em especial, que o eleitor quer mudanças no país. Este sentimento está verbalizado por nada menos que dois em cada três brasileiros, quando, nas pesquisas, manifestam desejo de que as ações do próximo presidente sejam diferentes das praticadas pela atual administração.
Embora aparentemente difusas não se estará cometendo reducionismo se se restringir as demandas dos manifestantes das ruas real e virtual a três vetores principais: (a) maior combate à corrupção; (b) nova prática política, com ênfase em aspectos éticos e (c) melhoria na qualidade dos serviços públicos (“padrão Fifa” para saúde, educação, segurança, transporte, mobilidade, etc.).
Pela natureza própria dessas demandas elas só podem ser atendidas satisfatoriamente em prazos mais longos, daí a permanência no momento presente das inquietudes, das cobranças, das reivindicações de diretos, e das insatisfações.
O ambiente de insatisfação propicia o desenvolvimento de forte sentimento de aversão ao poder constituído, aos governos e à política. Não sem motivo, pois, que o clima de mudança emerge naturalmente e se torna bem perceptível.
As demandas não atendidas e a insatisfação reinante insuflam a realização de mais movimentos e protestos, criando um contínuo clima de tensionamento social (rolezinhos, violência, queima de ônibus, arrastões, greves, “não vai ter copa”, estresse da mobilidade, etc.).
Nessa ambiência, o resultado das eleições presidenciais de 2014 torna-se completamente imprevisível, mormente quando as últimas pesquisas de fevereiro, relativamente às de meados do ano passado, mostraram (1) invariância nas intenções de voto no cenário entre Dilma Rousseff (liderando), Aécio Neves e Eduardo Campos e (2) constância ou tendência de queda da popularidade da presidente.
Essa estabilidade dos números das pesquisas sugere que as pré-candidaturas postas ainda não conseguiram posicionar-se, pelo menos até agora, como representantes dos sentimentos de mudança expressos pelo eleitorado brasileiro.
A questão é saber se a oposição, ainda pouco conhecida do eleitorado, e certamente menos responsabilizada pelo que motivou a insurgência das massas, saberá capitalizar daqui pré frente a maior parte da mensagem mudancista.
A favor dessa possibilidade pesa o fato de que a presidente Dilma Rousseff, embora dispute a reeleição na condição de incumbente, com todas as extraordinárias vantagens que tal exercício lhe confere, não está conseguindo agregar mais adeptos à sua postulação.
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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e Institucional, e do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br
UMA ANÁLISE PERFEITA E COERENTE.