Prezado Inaldo Sampaio:
Os movimentos de rua do dia 16 suscitaram algumas análises na mídia que, a meu ver, carecem de alguns reparos. Uma delas, muito difundida, aliás, está expressa hoje (18) na sua mui lida coluna Fogo Cruzado, da lavra do nosso amigo Maurílio Ferreira Lima.
Diz o atuante ex-deputado que “o protesto de domingo foi ‘nitidamente da classe média’ porque não se viu negros e nem desdentados nas manifestações”.
Ora, seria uma grande surpresa e uma contradição histórica se não fosse “nitidamente da classe média”.
Todos os movimentos de rua no mundo, que têm como motivação protestos à degradação das condições materiais de vida, à legitimidade de governantes e à corrupção, são liderados pela classe média.
Basta lembrar, entre outros, os mais recentes na Espanha (Indignados), Portugal, Grécia, Islândia, Ucrânia, Venezuela, Tailândia e alguns países da Primavera Árabe.
No Brasil é a mesma coisa. As mobilizações de massa no Brasil sempre foram, todas elas, lideradas pela classe média (vide, por exemplo, Clóvis Rossi, FSP, 17/08/2015).
Por quê? Porque é a classe que mais sofre os impactos dolorosos de políticas econômicas equivocadas ou socialmente injustas, é a classe que mais se indigna com a corrupção, e com a mentira e o cinismo dos governos. É uma classe instruída em termos de educação formal e é a classe mais politizada. É a classe que tem capacidade e meios de mobilização, real e virtual.
A classe média é, ao mesmo tempo, urbi et orbi, o esteio das sociedades e o epicentro de suas insatisfações e inquietudes.
Portanto, a tentativa de desmerecer os movimentos de rua sob a argumentação de que é coisa de classe média fere a lógica social. É uma clivagem que desconsidera outros fatores, sobretudo a evidência empírica das pesquisas.
De fato, a última pesquisa de agosto do Datafolha mostrou que 71% da população acham o governo de Dilma Rousseff ruim e péssimo. A pesquisa foi estratificada por sexo, idade, escolaridade, renda familiar, ocupação principal, grandes regiões, natureza do município e porte do município, num total de 27 classes ou faixas.
Este percentual de 71% de ruim e péssimo (R e P) é uma média, quer dizer, representa uma tendência central de uma série de valores abaixo e acima deste percentual. Pois bem, em quase todas as faixas de cada uma destas estratificações, os percentuais, tanto acima como abaixo, nunca diferem mais do que três pontos de percentagem deste valor central de 71%.
As cinco exceções foram pessoas de renda familiar mensal de mais de 10 salários mínimos (cravaram 75% de R e P), os que vivem na região Centro-Oeste (77% de R e P), e aqueles que vivem nas regiões Norte (66% de R e P), na região Nordeste (65% de R e P), e que não pertencem à população economicamente ativa (66% de R e P).
O que quer dizer isso? Que a elevada rejeição ao governo de Dilma é homogênea no Brasil todo, independentemente das estratificações e de suas classes componentes.
A nota negativa que lhe é conferida pelos que ganham até 2 SM de renda familiar é muito próxima daquela dos que recebem de 5 a 10 SM. Tanto faz morar na região metropolitana, como no interior: a reprovação é numericamente parecida. O mesmo se dá para os que só têm o ensino fundamental comparado com aqueles que têm ensino superior, e por aí vai.
Em outras palavras, os “os negros e desdentados” não estavam nas ruas, mas foram muito bem representados pela classe média, afinal, como demonstram as pesquisas, em relação ao governo de Dilma Rousseff, eles compartilham a mesma decepção. E é grande!
Abraços fortes!
Maurício Costa Romão
18/08/2015