METODOLOGIA QUE IMPEDE TRANSFERÊNCIAS DE SOBRAS ELEITORAIS DE PUXADORES DE VOTO PARA PARTIDOS OU COLIGAÇÕES (Segunda Parte)

 METODOLOGIA QUE IMPEDE TRANSFERÊNCIAS DE SOBRAS ELEITORAIS DE PUXADORES DE VOTO PARA PARTIDOS OU COLIGAÇÕES (Segunda Parte)

(Nota Técnica)

Por Maurício Costa Romão

Por que o puxador arrasta outros candidatos?

Uma característica distintiva do sistema eleitoral brasileiro é que os candidatos mais votados nas eleições proporcionais não são necessariamente aqueles que são eleitos. O que se observa freqüentemente, na verdade, é candidatos com votação expressiva não serem eleitos, enquanto outros, de menor votação, ascender ao Parlamento, configurando-se nesse processo um flagrante desrespeito à vontade do eleitor.

Diferentemente do sistema distrital puro, ou da nova proposta do Distritão, em que os candidatos mais votados da eleição são os que ocupam as cadeiras legislativas, independente da origem partidária, o modelo proporcional adotado no país não segue essa regra desejável, que alguns chamam de “verdade eleitoral”.

Com efeito, os partidos ou coligações que ultrapassam o quociente eleitoral nos pleitos proporcionais têm direito a tantas vagas parlamentares quantas vezes suas votações superarem esse quociente. Os ocupantes dessas vagas serão aqueles que obtiverem mais votos dentro do partido ou coligação, quaisquer que sejam as votações – maiores ou menores, não importa – de postulantes de outras siglas ou alianças. Assim, os candidatos eleitos não são necessariamente os mais votados do pleito, porém os mais votados dos partidos ou coligações que transpuseram a barreira do QE.

É essa peculiaridade do sistema proporcional que dá margem ao fenômeno relativamente comum, tratado aqui, do puxador de votos, que tem força eleitoral para arrastar consigo outros postulantes do partido ou coligação com votações bem menores, e não raro inexpressivas, já que quaisquer que sejam as votações desses postulantes, eles podem ser eleitos, desde que estejam entre os mais votados do partido ou coligação.

O puxador tem, assim, essa capacidade de transferir para o partido ou coligação o excedente de votos que obtém acima do QE (esse excedente é o que tem sido denominado de sobras eleitorais ou sobra de votos). E quanto maior for esse excedente, tanto mais os votos do puxador beneficiam o partido ou a coligação, aumentando a possibilidade de candidatos olímpicos serem eleitos por conta dessas sobras.

Eliminando a transferência de votos do puxador

O intento do presente texto é simplesmente apresentar, no âmbito do atual sistema proporcional, uma metodologia que elimina a possibilidade desses candidatos olímpicos tornarem-se parlamentares com sobras eleitorais dos puxadores de votos.

Mas para atingir esse desiderato, extinguir o “efeito Enéas”, há que se achar um mecanismo que impeça o transbordamento de votos do puxador para o partido ou coligação. Antes, é indispensável precisar, em termos numéricos, em quantidade de votos, quem é exatamente o parlamentar considerado como puxador de votos. Uma maneira simples de imprimir um caráter mais geral ao conceito é definir o puxador de votos como aquele parlamentar cuja votação excede o quociente eleitoral.

Assim, a votação do puxador pode ser ligeiramente superior ao QE ou várias vezes superior, não importa. A idéia que esse conceito transmite é a de que haverá sempre um excedente de votos, de pequena ou grande monta,  que vai transbordar para o partido ou coligação. Uma vantagem adicional da definição proposta é que se evita conceituação do tipo “o puxador é aquele parlamentar que tem votação superior a duas vezes o QE”, “três vezes”, etc., mais passíveis de contestação, ademais de não impedir spill over de votos para o partido ou coligação (se um puxador é definido como o que tem, por exemplo, o dobro de votos do QE, a votação de um parlamentar que ultrapassou o QE, na mesma eleição, em 1,8 vezes, por exemplo, terá seu excedente transmitido ao partido ou coligação).

Para evitar que as votações dos puxadores tenham influência na eleição de candidatos de partidos ou coligações é preciso promover uma pequena e simples mudança na sistemática atual de apuração de votos. Operacionalmente, trata-se de determinar os votos válidos da eleição e o quociente eleitoral em duas etapas:

(a)  Procede-se aos cálculos normais dos votos válidos do pleito e do quociente eleitoral, como é feito atualmente;

(b)  Os candidatos que individualmente superaram o quociente eleitoral – os puxadores de votos – estarão eleitos por mérito próprio, como já acontece hoje;

(c)  Subtrai-se do total de votos válidos de cada partido, cujo candidato ultrapassou o quociente eleitoral, a quantidade de votos desse candidato;

(d)  Faz-se nova contagem dos votos válidos do pleito e determina-se o novo quociente eleitoral;

(e)  Daí em diante procede-se como no sistema vigente, alocando-se as vagas restantes de acordo com o quociente partidário e o método D’Hondt de distribuição de sobras.

Enfatize-se, mais uma vez, que o excedente de votos do puxador sobre o quociente eleitoral não se transfere para o partido, como acontece no atual sistema, posto que a votação dele, puxador, já eleito, não entra nos cálculos dos votos válidos da segunda etapa.

Note-se, também, que não é aconselhável eliminar somente os votos excedentes do puxador sobre o QE, posto que, em assim procedendo, a segunda etapa estaria ainda contaminada pelos próprios votos desse puxador, em quantidade igual a do QE. Quer dizer, o puxador de votos, que já contribuiu para o partido ou coligação na ultrapassagem do QE e na formação do quociente partidário da primeira etapa, ainda deixaria rastros de votos para a segunda etapa, num total de votos equivalente ao QE. Naturalmente esses votos teriam repercussão no quociente partidário, garantindo uma vaga para o partido ou coligação (quando um partido ou coligação atinge ou ultrapassa o QE, é-lhe garantida, no mínimo, uma vaga parlamentar porque o quociente partidário é maior ou igual a um). A metodologia aqui esboçada premia, de justiça, o puxador de votos, porém não beneficia ninguém mais com o rebate de sua votação, que é excluída in totum na segunda etapa de cálculos.

No exemplo de Dr. Enéas, ele estaria merecidamente eleito, contudo sua votação não arrastaria ninguém mais com ele. Os seus 1.573.642 votos seriam subtraídos da votação total do PRONA (1.680.774), ficando o partido com apenas 107.132 votos, quantidade inferior ao novo quociente eleitoral. A sigla não elegeria ninguém, além do Dr. Enéas.

 Vê-se, assim, nessa configuração, que estaria definitivamente afastada a possibilidades de candidatos com votações ínfimas ascenderem ao Parlamento. Naturalmente há vários casos em que, depois da supressão dos votos do puxador, o partido ainda fique com votação suficiente para superar o quociente eleitoral da segunda etapa e eleja um ou mais candidatos, além do seu campeão de votos. Esta situação, todavia, reflete o fato de que o partido em questão tem em suas fileiras não só o puxador de votos, mas também, outros candidatos com musculatura eleitoral.

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