“MAROLINHA” 2.0

 

Fernando Canzian 

Folha.com, 7/11/2011

Em 2009, ano da “marolinha”, o PIB do Brasil encolheu 0,6%. Houve quedas dramáticas na indústria (-6,4%) e nos investimentos e construção civil (-10,3%). O PIB daquele ano espelhou a crise aguda nos EUA em 2008. Foi quando o Lehman Brothers quebrou e o mercado internacional de crédito se transformou em um “vale da morte”, onde bancos congelaram os empréstimos entre si e para empresas e consumidores.

O atual estágio da crise na Europa, comparável a um 2008 americano, só que em câmera lenta, vai cobrando a sua conta. O quadro ao lado mostra como os bancos e instituições de crédito dos mercados emergentes vêm sentindo o atual terremoto na zona do euro.

Quase 70% dos bancos já experimentam um aperto nas condições de financiamento. Ou seja, têm mais dificuldades ou pagam mais por linhas de crédito que tomam de outros bancos para transformá-los em empréstimos para seus clientes e consumidores.

No Brasil, a situação é distinta, pois os bancos estão bem capitalizados e têm dependência externa mínima. Mas eles também se retraíram em 2009, obrigando os estatais Banco do Brasil e CEF a entrar mais agressivamente em cena para manter o crédito ao consumo.

O problema é daqui em diante, em 2012 particularmente. A indústria brasileira apresenta sinais evidentes de desaceleração, que terão impacto também sobre investimentos.

Assim, o roteiro em câmera lenta na Europa (na comparação com a crise aguda dos EUA em 2008) também serve para o Brasil. O país será afetado, mas de forma mais gradual.

O Brasil não é uma ilha, e seu comércio internacional hoje depende tanto dos países desenvolvidos quanto dos emergentes, onde há uma clara desaceleração em curso (até pelo aperto das condições de financiamento de seus bancos)

O maior risco, espelhado neste outro gráfico, é a zona do euro e os EUA sofrerem um novo e contínuo desaquecimento. E voltarem a uma recessão.

O nó desta crise é dificílimo de ser desatado sem uma mudança global no “estado das coisas” das últimas décadas.

O acordo que vigorava até 2008 era mais ou menos o seguinte: países como China e Alemanha e outros com excedente de produção exportavam seus bens para outras áreas, como EUA, Espanha e mesmo Grécia, que financiavam essas compras se endividando.

Esse endividamento atingiu tais proporções que se tornou insustentável. Logo, não haverá mais o crédito fácil das últimas décadas para financiar compras de quem não tem como pagar.

O problema é que os países vendedores (Alemanha, China) terão cada vez menos oportunidades de vender o excedente que produzem.
E os endividados (EUA, Espanha), cada vez menos apetite para comprar a crédito depois do trauma da atual crise.

Faltarão compradores, o que desestimula produção, investimentos e empregos.

Nesse cenário, a comunidade internacional sequer consegue uma solução rápida para uma questão relativamente pequena, como a Grécia.

Isso dá a dimensão do problema e sofrimento que o mundo ainda tem pela frente.

Fernando Canzian é repórter especial da Folha. Foi secretário de Redação, editor de Brasil e do Painel e correspondente em Washington e Nova York. Ganhou um Prêmio Esso em 2006 e é autor do livro “Desastre Global – Um ano na pior crise desde 1929”. Escreve às segundas-feiras na Folha.com.

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