Maurício Costa Romão
O ministro Joaquim Barbosa, em palestra recente para alunos de um curso de direito de uma faculdade de Brasília afirmou que “as distorções no modelo político brasileiro reforçam a necessidade de uma reforma institucional urgente” e apregoou a troca do sistema proporcional vigente pelo modelo distrital:
“…[o modelo atual] não contribui para que tenhamos representação clara e legítima. Passados dois anos ninguém mais sabe em quem votou.Teríamos que dividir o país em 513 distritos, onde cada cidadão votaria em quem conhece’”. Agência Brasil, 20/05/2013.
O ministro incorre no mesmo equívoco dos que imputam os males do sistema político brasileiro ao mecanismo proporcional de lista aberta que se pratica no país. Partindo-se dessa premissa, o corolário não poderia ser outro: mudar de sistema eleitoral, idéia fixa que presidiu todo o debate da reforma no Congresso Nacional. E aí tinha sistema para todos os gostos: lista fechada (tanto bloqueada, quanto flexível), distrital puro, distrital misto e até a invencionice do distritão.
Mas quais são as características do modelo enaltecido pelo ministro e badalado por tantos?
A característica mais distintiva do sistema majoritário-distrital de maioria simples, ao qual supostamente se refere o ministro Joaquim Barbosa, é a chamada “verdade eleitoral”: sempre e invariavelmente os candidatos mais votados são os eleitos, independentemente de que partido provenham.
Neste modelo, a circunscrição eleitoral (no caso brasileiro, o estado ou o município) é subdividida em tantos distritos quantas são as cadeiras a serem ocupadas no Parlamento.
Cada um dos distritos elege apenas um parlamentar, e cada partido apresenta somente um candidato por distrito. O eleito é, como se diz no Reino Unido, o primeiro que atravessa a linha de chegada (first past the post), como numa corrida de cavalos.
Os votos dados aos candidatos não eleitos no distrito são desconsiderados (wasted votes), o que é motivo de críticas ao sistema. A razão das críticas advém da frequente desproporcionalidade encontrada entre o número de votos conquistados pelos partidos nos diversos distritos e o total de cadeiras obtido no Parlamento.
É comum, por exemplo, ocorrer que um partido tenha muito mais votos do que representação no Legislativo, ou, até mesmo, que logre considerável votação nos distritos e fique sem representação nacional. Ou, ainda, é igualmente corriqueiro que um partido tenha representação bem maior do que seus votos ensejam.
Em veemente crítica à posição do ministro Barbosa, o blog Os Amigos do Presidente Lula, postou extensa matéria (infelizmente extrapolando a mera análise técnica) na qual o seguinte trecho retrata este caso de representação proporcionalmente maior que votação obtida.
“Com o voto distrital é possível um partido ou coligação (sic) ter maioria no Congresso com apenas 25% dos votos populares. Isso porque é preciso ter 50% de votos em 50% dos distritos, o que resulta nos 25% dos votos nacionais mencionados. Resultado: a maioria governa graças a uma minoria de votos, e a maioria dos votos – 75% – fica de fora do governo. É impossível ser mais excludente”. Blog Os Amigos do Presidente Lula, 21/05/2013.
Como o sistema se assenta no princípio majoritário de que o “ganhador fica com tudo” (the winner takes it all), somente os votos dos candidatos que venceram nos distritos são contados para a representação nacional, de sorte que os votos dos concorrentes, qualquer que seja a quantidade, são literalmente perdidos, não servem para nada.
Logo, certo partido pode ter expressiva (baixa) votação em vários distritos, mas poucos (muitos) dos seus candidatos ultrapassam a linha de chegada, gerando distorção entre votos e cadeiras.
Não sem razão que o assunto de revisão do sistema majoritário-distrital está sempre em pauta no Reino Unido, cogitando-se, inclusive, de realização de plebiscito para aferir o desejo popular de mantê-lo em vigência, ou não.
Entre as vantagens associadas à adoção do modelo majoritário-distrital são normalmente destacadas: (a) a simplicidade (inteligibilidade); (b) a vontade do eleitor é respeitada; (c) fortalece os principais partidos e evita fragmentação partidária; (d) leva à bipolarização centro-esquerda, centro-direita e à neutralização de propostas políticas radicais; (e) permite maior acompanhamento do parlamentar, com maior visibilidade e controle se sua representação (accountability) e (f) diminui a competição entre os correligionários de um mesmo partido.
Do ponto de vista das desvantagens do modelo majoritário-distrital, são contabilizados os seguintes aspectos: (a) reduz o pluralismo político; o Parlamento não reflete a proporcionalidade dos segmentos sociais; (b) as minorias perdem influência e diminuem participação; (c) aumenta a personalização da representação; (d) pode acarretar grande desproporcionalidade no binômio votação/representação; (e) ocorre municipalização do debate político, dada à ênfase em questões locais (territoriais); (f) há grande complexidade política na demarcação dos distritos; (g) os votos dos não eleitos são descartados e (h) o custo de campanha é elevado, favorecendo a influência do poder econômico.
Todos os sistemas de eleições parlamentares têm vantagens e desvantagens, não existindo nenhum considerado perfeito, ideal, justo. Então, migrar de um sistema para outro envolve ganhos e perdas.
Há ganhos quando o país absorve as vantagens do sistema que intenta adotar e se livra das desvantagens do que está abandonando; e há perdas quando o país se desfaz das vantagens do sistema que pretende abandonar e incorpora as desvantagens do que está absorvendo.
Só por esse aspecto é de todo desaconselhável abandonar o modelo proporcional em uso no Brasil há 67 anos para experimentar outros mecanismos.
Ademais, se não houver depuração dos vícios e deformações que circundam o atual sistema político-partidário-eleitoral brasileiro (compra de votos, cauda eleitoral, siglas de aluguel, puxador de votos, prevalência do poder econômico, fragilização partidária, caixa 2, etc.), o novo modelo importado já nascerá inexoravelmente contaminado.
Temos defendido* que, ao invés de trocar de sistema, como sugere o ministro Joaquim Barbosa, se aperfeiçoe o modelo proporcional atual, introduzindo mudanças que lhe imprimam substanciais melhorias qualitativas.
Tais melhorias envolveriam, pelo menos, a eliminação de três grandes distorções do modelo: (i) ausência de proporcionalidade entre votos e cadeiras intracoligações; (ii) influência eleitoral dos puxadores de voto; e (iii) proibição de os partidos que não alcançam o quociente eleitoral participar da distribuição de sobra de votos.
E isso pode ser feito em paralelo com a mencionada depuração dos vícios que impregnam o sistema político do país.
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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e Institucional, e do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br, https://mauricioromao.blog.br.
* “Eleições de deputados e vereadores: compreendendo o sistema em uso no Brasil”, Editora Juruá, 2012.
* “Três propostas de aperfeiçoamento do sistema brasileiro de eleições proporcionais”. Trabalho apresentado no VI Congresso Latino-Americano de Ciência Política, organizado pela Associação Latino-Americana de Ciência Política (ALACIP). Quito, 12 a 14 de junho de 2012.
Distrital uninominal (puro! sic) seria um desastre para as minorias e para os que buscam representação legitimada em programas e ideologias. Não cabe aqui explicar, mas apenas dizer: os afrodecendentes, os evangélicos, os homoafetivos, e outras minorias, para ter representação, teriam que migrar para um único distrito pois que o voto tem por essência a representação geográfica. A pior das representações. A representação da fofoca…Trata-se da visibilidade da cegueira combinada a governos da maior minoria. Ou seja, teriamos uma corrida de cavalos em que os grupos econômicos levariam vantagem nos distritos que apresentassem maior número de candidatos. Quanto mais candidatos num distrito, mais barato eleger o cavalo do poder econômico. Romão, prefiro o voto proporcional do “salto de var”, falta apenas transformá-lo erm lista fechada como aliás funcionou por muito tempo no Brasil que s…
O sistema distrital misto adotado na Alemanha usa a boa e velha matemática para equilibrar o problema da desproporcionalidade com o sistema distrital. É bem simples no geral: o voto é distrital, quem ganha no distrito vira deputado. PORÉM, o número de cadeiras que cada partido ocupa é PROPORCIONAL ao total GERAL de votos obtidos, sendo a sobra de cadeiras distribuídas via lista partidária, e eventualmente cadeiras podem ser adicionadas para fechar a conta. Desta forma um partido X que tem digamos 10% dos votos, mas não consegue eleger nenhum distrito, ainda sim teria 10% dos lugares na camera.
É o melhor sistema do mundo!