Maurício Costa Romão
Nos pleitos proporcionais os partidos ou coligações têm como objetivo ultrapassar o quociente eleitoral (condição sine qua non para assunção ao Parlamento) e conquistar determinado número de cadeiras legislativas.
A conquista de cadeiras depende do quociente partidário (QP), que consiste na divisão dos votos válidos do partido ou coligação pelo quociente eleitoral, cujo resultado quase sempre é um número composto de uma parte inteira e outra fracionária (3,514, por exemplo). A parte inteira (3) é a quantidade inicial de vagas que cabe ao partido ou coligação. A parte fracionária (0,514) corresponde à proporção de votos em excesso (sobra) às vagas conquistadas.
A grande dúvida de candidatos e partidos repousa nessa parte fracionária. Será que ela é suficientemente elevada a ponto de garantir uma cadeira adicional?
O tamanho da sobra (que corresponde à parte fracionária do QP) não guarda, em princípio, uma relação definida com a conquista de cadeiras adicionais. Uma fração alta é, sem dúvida, um bom indicativo dessa possibilidade, mas não se pode ter certeza a priori.
O contrário também é verdadeiro: uma fração relativamente baixa não pode ser prontamente descartada como improvável de gerar uma vaga no processo de distribuição das sobras. Sua magnitude sugere dificuldades, mas não impossibilidades.
A conquista final de cadeiras adicionais vai depender da média de votos de cada partido ou coligação (quanto maior a média, maior a chance de obtenção de vaga extra), calculada pelo método D’Hondt das maiores médias. Vai depender, também, do número de vagas disponíveis no Parlamento a serem preenchidas por sobras de votos.
O que se pode ter certeza, contudo, é de que se os partidos ou coligações conquistaram o mesmo número de vagas diretamente pelo QP (quer dizer, se têm a mesma parte inteira do QP), os que apresentarem a maior fração terão maior média e, portanto, mais possibilidade de obter cadeira adicional. É essa assertiva que se pretende demonstrar neste texto.
Proposição: “Se dois ou mais partidos ou coligações têm a mesma parte inteira de seus quocientes partidários, o quociente que tiver a maior fração terá a maior média de votos, ao passo que se as partes inteiras são diferentes não se pode antecipar qual partido ou coligação terá a maior média de votos”.
Demonstração
O quociente eleitoral e quociente partidário
O quociente eleitoral (QE) é o parâmetro pelo qual se define o preenchimento de vagas parlamentares no Legislativo e é calculado dividindo-se o total de votos válidos de cada pleito por essa quantidade de vagas.
Assim, se VV são os votos válidos e C o número de vagas (ou cadeiras) do Parlamento, então:
QE = VV / C (1)
O cálculo do QE é a fase inicial do processo de distribuição de vagas entre partidos e coligações. Só disputam vagas, as agremiações e alianças que lograram ultrapassar o QE. .
Considere-se, agora, o quociente partidário QPj do partido ou coligação j (j = 1, 2, …, n), que resulta da divisão dos votos válidos do partido j pelo QE da eleição:
QPj = VVj / QE, (2)
em que VVj são os votos válidos do partido j.
Este quociente QPj indica quantas vezes a votação do partido ou coligação j supera o QE. O QPj define, portanto, a quantidade de vagas que cabe ao partido ou coligação j.
Por exemplo, se numa dada eleição em que há 20 vagas parlamentares disponíveis e foram computados 1.000 votos válidos, cada vaga equivale a 50 votos válidos (QE = 50). Se um partido tiver 50 votos conquista uma vaga, se tiver 100 votos conquista duas, e assim por diante. Veja-se que a obtenção de vagas se dá pelo quociente partidário, consoante a equação (2).
Usando a eleição 2010 para deputado estadual em Pernambuco como ilustração, considere-se o caso, por exemplo, do PHS. O partido obteve 241.853 votos válidos, de sorte que VVphs = 241.853. Naquele pleito o QE = 91.824. Então, o quociente partidário do PHS, QPphs, é igual a:
QPphs = VVphs / QE
QPphs = 241.853 / 91.824
QPphs = 2,634
Logo, o partido PHS teria direito a 2,634 cadeiras no Legislativo de Pernambuco, que tem um total de 49 cadeiras.
Vê-se que o quociente partidário pelo qual o PHS teria assegurado 2,634 cadeiras no Legislativo estadual é um número que carece ser mais bem explicado, já que não faz sentido se falar em 2,634 cadeiras. Ou são duas cadeiras ou são três. Não há dúvida de que a primeira parte de QPphsrepresenta concretamente a quantidade de cadeiras que o número indica. Já quanto à parte fracionária, que significado ela tem? O que quer dizer 0,634 cadeiras?
Substituindo-se agora (1) em (2), tem-se:
QPj = C. VVj / VV (3)
Note-se em (3) que VVj / VV nada mais é do que a proporção de votos válidos do partido ou coligação j em relação ao total de votos válidos de todos os partidos e coligações.
Do ponto de vista do exemplo do PHS, os votos válidos desse partido naquele pleito foram de 241.853 votos e os votos válidos totais de todos os partidos e coligações somaram 4.499.401 votos; quer dizer: VVphs = 241.853, VV = 4.499.401 e C = 49. Portanto:
QPphs = C. VVphs / VV
QPphs = 49 x 241.853 / 4.499.401
QPphs = 49 x 0,0537
QPphs = 2,634 (4)
Observe-se, ainda, que a proporção VVj / VV em (3) é sempre maior que zero e menor que um, ou seja:
0 ‹ VVj / VV ‹ 1 (5)
Com efeito, (5) não pode assumir o valor igual a um porque, nesse caso, só um partido teria “disputado” a eleição, ficando com todas as cadeiras, o que é incompatível com o sistema pluripartidário e o regime democrático de representação parlamentar. É claro que também não faz sentido VVj / VV ser igual a zero, situação em que VVj teria de ser zero, o que é impossível se o partido j estiver concorrendo à partição de sobras (caso em que VVj tem de ser positivo, pois é maior do que o QE).
Por conta de (5), então, QPj em (3) é sempre e invariavelmente composto por uma parte inteira C, e outra fracionária, VVj / VV. O produto da parte inteira com a fracionária é que pode eventualmente resultar num número apenas inteiro, embora essa possibilidade seja rara.
Sobra de votos a as maiores médias
É possível demonstrar* que desconsiderar as frações VVj / VV de cada um dos partidos ou coligações cria um impasse: os partidos ou coligações não preencheriam todas as cadeiras disponíveis. Sobrariam cadeiras. Tampouco não se mostra apropriado aplicar o conceito de arredondamento convencional, porque a adoção do mecanismo pode gerar falta ou excesso das cadeiras a distribuir.
De acordo com a mecânica das maiores médias, já consagrada no sistema eleitoral brasileiro, para distribuir as vagas parlamentares entre partido e coligações desprezam-se, em princípio, as casas decimais de todos os quocientes partidários e considera-se apenas a parte inteira, que passa a ser o número inicial de vagas que corresponde a cada partido ou coligação.
Note-se que esse procedimento nada mais é do que calcular a média de votos que os partidos e coligações teriam por vaga legislativa. Essa média seria sempre a mesma e igual ao quociente eleitoral QE.
Voltando à expressão (3): sendo o produto da equação composto por um número inteiro e uma fração, despreze-se agora a fração de cada QPj e chame-se a esse resultado parcial de “vagas iniciais”, VIj. No caso do PHS, ficaria:
QPphs = 2,634 = 2.
Considere-se, agora, uma extravagância: depois de desprezar a parte fracionária de QPj, dê-se uma cadeira para cada partido ou coligação que tenha ultrapassado o QE. O problema dessa bondosa concessão é que pode ocorrer de o número de cadeiras adicionais distribuídas, uma a cada partido ou coligação, somado com as já alocadas pelo quociente partidário, ser superior às vagas disponíveis.
Para resolver essa questão, toma-se a votação de cada partido ou coligação e a divide pelo número de vagas iniciais mais uma unidade (a que foi concedida). O resultado, o número de votos válidos por vaga ampliada, nada mais é que uma média.
Com efeito, da mesma forma que quando se despreza a parte fracionária do QPj e se divide os votos válidos dos partidos e coligações pelas vagas parlamentares se obtém uma média de votos por vaga (no caso a média é igual ao QE), aqui o procedimento é o mesmo, só que as médias serão menores do que a média que é igual ao QE.
Denominado a nova média de M, tem-se:
Mj = VVj / (VIj+1), (6)
em que Mj é a média de votos do partido ou coligação j.
Veja-se que o conceito de Mj, como média, equivale ao conceito do quociente eleitoral, só que aplicado aos partidos ou coligações individualmente. Enquanto o QE é uma média geral de votos válidos da eleição, por cadeira, o Mj é uma média de votos válidos de cada partido ou coligação j, por cadeira.
Ora, nada mais justo do que considerar com direito às cadeiras adicionais concedidas aqueles partidos ou coligações que tenham tido as maiores médias (daí a denominação de “método das maiores médias”), isto é, que tenham tido as maiores votações por vaga ampliada.
As maiores médias e o quociente eleitoral
Como já antecipado acima, as médias Mj são sempre menores do que o quociente eleitoral. De fato, considerem-se as equações (2) e (6):
QPj = VVj / QE
e
Mj = VVj / (VIj+1)
Chamando, para facilitar, (VIj+1) de VAj, vaga ampliada de j, tem-se, após rápidas manipulações:
Mj = QE. QPj / VAj (8)
Como o quociente partidário de uma agremiação j, que é composto de uma parte inteira mais uma fração, é sempre menor do que a vaga ampliada, já que esta tem a mesma parte inteira mais uma unidade, segue-se que QPj < VAj , e QPj / VAj < 1.
Logo, a média Mj de qualquer partido j, sempre será menor que o quociente eleitoral:
Mj < QE
Veja-se, por meio de (8), que quanto maior a parte fracionária de QPj, mais Mj se aproxima de QE; portanto, mais o partido ou coligação j tem uma quantidade adicional de votos (sobra de votos), cujo total chega perto da média geral requerida para se ter assento no Parlamento, isto é, chega perto do quociente eleitoral QE.
Enfim, a sistemática de cálculo das médias pela fórmula D’Hondt premia com cadeiras adicionais (quer dizer, por sobras de votos) exatamente aqueles partidos ou coligações que tiveram as maiores médias, com valores que mais se aproximaram do QE e, portanto, tinham mais chances de conquistar vagas pelo quociente partidário.
As maiores médias, os quocientes partidários e as vagas ampliadas
Tome-se agora a expressão (8) outra vez e considere-se apenas dois partidos ou coligações, 1 e 2, de j (j = 1, 2, …, n), disputando uma mesma eleição. As médias desses dois partidos serão:
M1 = QE. QP1 / VA1
M2 = QE. QP2 / VA2
Depois de algumas transformações envolvendo essas duas equações, chega-se à seguinte expressão:
M1 = (QP1 / QP2) .(VA2 / VA1). M2 (9)
Se VA1 = VA2, significa que os dois partidos ou coligações 1 e 2 têm a mesma parte inteira dos seus quocientes partidários e o que vai diferençá-los é a parte fracionária. Tem-se, então, três possibilidades, advindas de (9):
Se QP1 > QP2 , então M1 > M2 , para VA1 = VA2
Se QP1 < QP2 , então M1 < M2 , para VA1 = VA2
Se QP1 = QP2 , então M1 = M2 , para VA1 = VA2
Deduz-se, então, que se dois partidos ou coligações têm as mesmas partes inteiras de seus quocientes partidários, o quociente que tiver a maior fração terá a maior média. Na referida eleição para deputado estadual em Pernambuco o quociente partidário do DEM foi de 2,008, tendo a mesma parte inteira do quociente do PHS (2,634). A média de votos do DEM foi 61.459 votos e a média do PHS 80.618 votos.
A questão é mais complexa quando VA1 ≠ VA2 . Por exemplo, admita-se que VA2 < VA1:
Se VA2 < VA1 , então QP1 > QP2 e M1 > M2 ou M1 < M2 ,
dependendo do produto de (QP1 / QP2 )por (VA2 / VA1) em (9). Portanto, quando as vagas ampliadas são diferentes, não se pode antecipar quais são os resultados das médias dos partidos ou coligações.
Com um pouco mais de elaboração matemática, é possível demonstrar que o raciocínio acima pode ser estendido para três ou mais partidos ou coligações.
CQD.
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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e Institucional, e do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br. https://mauricioromao.blog.br.
*“Eleições de deputados e vereadores: compreendendo o sistema em uso no Brasil”, Editora Juruá, 2012, Curitiba, Paraná, 192 pág.