FORMULAÇÃO IMPRUDENTE

 

 Editorial do Diario de Pernambuco

 Recife, quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Pouca gente acredita e, por isso mesmo, dá pouca atenção ao assunto, que o atual Congresso Nacional fará uma reforma política realmente importante. É uma desatenção perigosa. Não são poucos os gabinetes da Câmara e do Senado que têm passado horas discutindo um projeto que, se aprovado, muda completamente a atual relação do eleitor com os partidos e, principalmente com os candidatos. Além da insistência com que alguns políticos defendem o financiamento público das campanhas, querem agora também tirar do eleitor o elementar direito de votar em seu candidato preferido.

De fato, entre outras novidades, merece a devida atenção dos brasileiros, e especial acompanhamento, a que praticamente acaba com as candidaturas individuais, ao concentrar a tarefa de distribuir a verba pública nas cúpulas partidárias e conceder excepcional aumento de poder aos partidos, isto é, aos seus caciques.

 Aliás, não é por esse caminho que os partidos políticos serão fortalecidos. Ao contrário, tal iniciativa tende a limitar, inclusive, o movimento dos seus próprios filiados, comprometendo até a prática democrática no interior da agremiação. É iniciativa temerária, imprudente, em termos políticos.

Pela proposta, o voto do cidadão não seria dado aos candidatos a vereador e deputados estadual e federal, que são eleitos atualmente pelo sistema proporcional (prefeitos, governadores, presidente e senadores concorrem a eleições majoritárias). Cada agremiação fará uma lista com seus candidatos, na ordem de preferência do partido e não do eleitor. O voto será no partido. Se um partido receber votação para preencher 11 cadeiras, estarão eleitos os 11 primeiros da sua lista. Os demais serão suplentes, na ordem em que apareceram na lista registrada na Justiça Eleitoral. Em outras palavras, o eleitor perde o direito de votar em seu representante no Legislativo, escolha que passaria a ser exclusiva das altas instâncias dos partidos.

É claro que os dirigentes partidários interessados em aplicar esse golpe na tradição e na cultura política brasileira dirão que a montagem da lista será feita em convenção aberta e transparente dos partidos. Mas nem é preciso ser frequentador desse tipo de evento para saber que praticamente tudo que ali será efetivado já foi resolvido por meio de negociação entre as lideranças mais influentes da agremiação. Também será defendida a ideia de que o voto numa lista fechada de candidatos vai representar o voto num projeto político, isto é, no projeto de governo do partido e não mais de pessoas.

Aparentemente sedutor, esse canto da sereia não tem, de fato, quase nada de democrático. É apenas uma estratégia para diminuir o poder do cidadão de escolher o deputado de um partido e o presidente ou o governador de outro. Ou, simplesmente, deixar de votar no deputado que, em sua opinião, trabalhou melhor por uma região ou por uma ideia, para votar numa lista em que esse seu escolhido está na rabeira ou simplesmente nem consta dela. Experiência como essa vem fazendo estragos em vários países. Isso se verifica, por exemplo, na Argentina, em que as esposas e filhos dos caciques regionais tornam-se invariavelmente deputados federais, consolidando o mando de famílias que se eternizam no cenário político daquele país. Diante de tal projeto, o eleitor coleciona razões para fazer, com seus botões, uma pergunta muito relevante: quanto vão custar os primeiros lugares na lista?

Deixe um comentário