Editorial de O Globo
Apud Blog do Noblat, 17/02/2012
Com o sexto voto a favor da constitucionalidade da lei e, portanto, da entrada em vigor da Ficha Limpa, o ministro Carlos Ayres Britto garantiu ontem à tarde, afinal, a vitória de um impressionante movimento de mobilização popular, organizado sem romper regras constitucionais. Nada de “na marra” ou de outras bravatas populistas. Tudo correu dentro dos limites institucionais, do estado de direito, na tramitação deste “projeto popular”, nos termos da Carta.
Não foi um caminho fácil, como parecia quando a lei, em 2010, terminou sancionada, depois de o projeto se originar da mobilização da Igreja e de organizações da sociedade e conseguir a adesão de mais de dois milhões de eleitores.
Não se levava fé no êxito da empreitada, apesar do apoio nas ruas. O mais sensato era esperar que o Congresso barrasse normas destinadas a instalar um filtro efetivo na porta de acesso à vida parlamentar. Isso não aconteceu, devido à pressão dos eleitores. Políticos cumpriram a missão, negociaram alterações no projeto, aperfeiçoaram-no e veio a aprovação.
Era inevitável haver contestação judicial da lei, porque passara a valer, para efeito de inelegibilidade, condenação em segunda instância ou colegiado, e não mais o trânsito em julgado de sentença, escudo que permitiu a donos de prontuário policial se abrigar nas imunidades legislativas — feitas para dar ao político liberdade de agir no campo da opinião, mas usadas para se escapar da polícia e dos tribunais.
Outro ponto controvertido foi o da retroatividade dos efeitos da Ficha Limpa. Mas também seria inócuo estabelecer que ela valeria apenas para punições estabelecidas a partir da sua promulgação.
A batalha judicial em torno da lei foi mais longa do que podia parecer na sua promulgação. Passaram as eleições de 2010, sem a definição se ela valeria para aquele pleito. Em março de 2011, por seis a cinco, o STF estabeleceu que não. Entrou-se, assim, na contagem regressiva para se discutir a própria constitucionalidade da Ficha Limpa, garantida na sessão de ontem da Corte.
Era grande a divisão no tribunal. Em momentos em que esteve com dez ministros, o STF chegou a empatar na discussão da lei. Uma das vezes foi no julgamento de recursos de Jáder Barbalho (PMDB-PA), acusado de ser um ficha-suja, barrado pela Justiça eleitoral por ter incorrido em um dos delitos previstos na lei: renunciar para livrar-se de cassação, o que ele fez no Senado. Barbalho, depois, conseguiu manter, no Supremo, o mandato de senador que recuperou nas urnas.
O voto a favor da Ficha Limpa da recém-empossada Rosa Weber, proferido quarta, indicou ser alta a possibilidade de sanção definitiva da lei.
Ficou entendido que o trânsito em julgado e a retroatividade ou não da lei são conceitos que não se aplicam no campo eleitoral. Nele, vale o outro dispositivo constitucional que requer probidade ao homem público. Agora, os partidos terão de ser criteriosos na escolha de candidatos.
A Ficha Limpa não é elixir mágico de cura das mazelas da vida pública. É grande progresso na luta pela moralização da política. Mas não se pode deixar de continuar a pedir uma Justiça mais rápida, reformas tópicas na legislação político-eleitoral etc.
Deste julgamento histórico ficou o importante debate de qual deve ser a postura da Corte diante do povo. Por óbvio, vale a Carta. Mas está provado que, sem contrariá-la, é possível ter o aplauso das ruas.