Por Maurício Costa Romão
Preliminares
O quociente eleitoral (QE) é uma variável-chave das eleições proporcionais, pois somente os partidos ou coligações que lograrem votação suficiente para ultrapassá-lo é que podem ascender ao Parlamento. Daí por que é às vezes chamado de cláusula de barreira.
Uma característica que o torna mais enigmático ainda é o fato de que sua determinação só pode ser feita depois de computados todos os votos da eleição, quer dizer, após totalizados o eleitorado (EL), a abstenção (AB), os votos apurados (VA), os votos brancos (VB), os votos nulos (VN) e, conseqüentemente, os votos válidos (VV). Dessas variáveis, a única que se conhece de antemão é o eleitorado. As outras, só depois do pleito.
A resolução do QE depende ainda do número de cadeiras parlamentares (C) do legislativo. Relacionando todas essas variáveis que influenciam o QE, tem-se, em formulação matemática:
QE = f (EL, AB, VA, VB, VN, VV, C)
Desde que
VA = EL – AB
e
VV = VA – (VB + VN)
Então a grande função acima pode ser resumida a
QE = f (VV, C)
Quanto maior for a quantidade de votos válidos de uma eleição, dado o número de cadeiras, maior é o quociente eleitoral e vice-versa. Na prática. O QE é simplesmente calculado dividindo-se os votos válidos totais do pleito pelo número de cadeiras parlamentares disponíveis no legislativo:
QE = VV / C
Onde QE representa, assim, o número de votos válidos, por cadeira, no Parlamento, ou o “valor” de uma cadeira parlamentar, em termos de votos válidos. Alternativamente, o QE pode ser entendido como o número médio de eleitores representado por parlamentar.
Exemplos
A Tabela 1 mostra os quocientes eleitorais das últimas cinco eleições proporcionais no Recife e a Tabela 2, alguns dados das variáveis citadas acima, referentes à eleição de 2008, no município, dos quais se extraiu o QE de 22.756 votos válidos.


Relações
Vê-se da Tabela 1 que o QE aumenta sistematicamente de um pleito para outro. Isso se deve ao crescimento contínuo dos votos válidos que, por sua vez depende do que acontece com os votos brancos e nulos e com a abstenção. Com efeito, já se estabeleceu antes, por definição, que
VV = VA – (VB + VN)
Dividindo os dois lados desta equação pelos votos apurados (VA), tem-se:
VV/VA = 1 – [(VB + VN)/VA]
Onde
0 ‹ (VB + VN)/VA ‹ 1
Assim, toda vez que aumenta a proporção de votos brancos e nulos no total de votos apurados, diminui a proporção de votos válidos nesse total e vice-versa. Portanto, um aumento da incidência de votos brancos e nulos, como proporção dos votos apurados, afeta negativamente a fração dos votos válidos e uma diminuição impacta positivamente.
Note-se que é importante fazer sempre referência à proporcionalidade relativa aos votos apurados. De fato, é incorreto dizer, por exemplo: “um aumento dos votos brancos e nulos diminui os votos válidos”. Essa circunstância vai depender do que acontece com os votos apurados. Se a incidência de votos brancos e nulos cresce na mesma quantidade dos votos apurados, então os votos válidos não se alteram. Se crescer mais que os votos apurados, os votos válidos diminuem. E se crescer menos, os votos válidos aumentam.
Para averiguar o impacto da abstenção sobre os votos válidos, considere-se novamente a seguinte relação:
VA = EL – AB
Da qual decorre que:
VA/EL = 1 – AB/EL
Então, sempre que a abstenção aumenta, como fração do eleitorado, os votos apurados diminuem proporcionalmente e vice versa. Entretanto, essa não é a relação que se busca aqui, mas sim aquela entre abstenção e votos válidos, daí por que é necessário um passo adiante.
Já se sabe que
VV = VA – (VB + VN)
Dividindo os dois lados da equação pelo eleitorado, chega-se a
VV/EL = VA/EL – (VB + VN)/EL
Substituindo VA/EL por (1 – AB/EL), obtém-se
VV/EL = 1 – AB/EL – [(VB + VN)/EL]
Dessa forma, o aumento (diminuição) da abstenção relativamente ao eleitorado diminui (aumenta) os votos válidos como fração desse contingente, mantida ceteris paribus a proporção dos votos brancos e nulos no total do eleitorado.
É possível ver-se, ainda, o efeito conjunto sobre os votos válidos de, suponha-se, uma diminuição dos votos brancos e nulos combinada com um decréscimo da abstenção. Rearrumando o segundo termo da equação anterior:
VV/EL = 1 – AB/EL – [(VB + VN)/EL]
VV/EL = 1 – [AB + (VB + VN)]/EL
Assim, pode-se deduzir dessa última relação que o crescimento conjunto de AB e (VB + VN), diminuem os votos válidos, todos com proporção do eleitorado, e que a redução simultânea aumentam esses votos. O resultado líquido de, por exemplo, um acréscimo na abstenção combinada com um decréscimo nos votos brancos e nulos vai depender da intensidade de cada variação, podendo, inclusive, não causar nenhuma mudança nos votos válidos, como fração do eleitorado, desde que o aumento numa variável seja proporcionalmente compensado por diminuição na outra.
Conclusão: (1) há uma relação inversa entre os votos válidos e os votos brancos e nulos, como proporção dos votos apurados; (2) a abstenção também se relaciona negativamente com os votos válidos, ambos como fração do eleitorado e (3) os votos brancos e nulos e a abstenção, conjuntamente, variando no mesmo sentido, guardam relação inversa com os votos válidos.