Gustavo Krause
As marchas contra a corrupção realizadas nos dias 7 de setembro e 12 de outubro revelam dois importantes sinais: primeiro, a onda de protesto sai do espaço virtual e entra no mundo real, revelando, de um lado, a latente indignação da sociedade brasileira e, de outro, o enfraquecimento dos canais de expressão da democracia representativa frente à capacidade de mobilização das redes sociais; o segundo é o silêncio ensurdecedor dos movimentos sociais, prova evidente de descarada submissão aos encantos do governismo.
Porém, a mais importante lição a ser extraída desses eventos é a ampliação do exercício da cidadania. Não basta ser o cidadão-eleitor que a cada pleito cumpre o poder-dever de eleger representantes e logo, logo, se desgarram do pacto político celebrado nas urnas. O exercício da cidadania não se esgota no ato de votar. Nasce de uma conquista penosa, cruenta, tendo por base a desconfiança congênita dos detentores do poder, se estende e permanece no estado de alerta que é vigiar; se reforça na prerrogativa de denunciar; se consolida na função de controlar.
Desta forma, a sociedade de cidadãos é mais influente, participante e dona do seu destino ao exercer os papeis, acima mencionados, e, quando necessário, a resistência, a rebeldia e a dissidência. A este fenômeno, o grande pensador e economista indiano Amartya Sen denominava de “impaciência construtiva” que outra coisa não é, senão, a política da sociedade.
Portanto, queiram ou não queiram, as pessoas que estão mobilizadas, indo às ruas, clamando por ética e decência, estão fazendo política, por maior que seja a descrença, a desilusão a aversão à política, praticada em meio às contradições de grandezas e misérias.
A propósito, teço essas considerações por conta da reação dos participantes da marcha realizada em Boa Viagem, ao vaiarem o deputado federal Paulo Rubem Santiago (PDT-PE). A vaia, independente de qualquer tipo de juízo de valor sobre o referido parlamentar, é uma forma extremada de condenação generalizada da política e da democracia cujo aperfeiçoamento está exatamente nas mãos e na força da cidadania.
Com efeito, a experiência histórica demonstra que a cesta básica para uma vida digna e com sentido social contém democracia política e riqueza distribuída com equidade. As duas coexistem inseparavelmente e somente são alcançadas pelo exercício da política que, como dizia Weber, é como furar “tábuas duras”, mas ao fim e ao cabo, “vale a pena”.
Revoluções? São momentos melancólicos da história; falência das soluções políticas; partos com a dor da violência que dá a luz aos rebentos que geram a violência.
Bernard Crick, no seu livro intitulado Em defesa da política (Ed. UNB), ensina: “A política representa, quando menos, alguma tolerância para verdades diferentes, algum reconhecimento de que é possível governar, aliás, melhor, através do debate de interesses opostos”.
Não surpreende, pois, que os ditadores maiores detratores da política sejam ou tenham sido ditadores a exemplo de Salazar: “Detesto a política do fundo do meu coração essa confusão de idéias sem fundamentos e planos impraticáveis”; Mussolini: “A Itália só pode produzir porque não há mais políticos; Fidel Castro: “Nós não somos políticos. Nós fizemos uma revolução para ver-nos livres dos políticos”.
Neste clima de descrédito, desilusão e, porque não dizer, de justificada irritação com os políticos, merece serena atenção o conceito de Afonso Arinos de Melo Franco: “Não existe a boa ou a má política. Existe a política ou a não-política”.
A favor das marchas, vou remar contra a corrente da condenação generalizada dos políticos. Não faltarão boas e sensatas companhias.