Maurício Costa Romão
Um problema relativamente pequeno do sistema proporcional de lista aberta, que não chega a ser um incômodo na evidência empírica das eleições e nem tampouco ofende os alicerces conceituais do modelo, é o da ascensão de candidatos ao Parlamento com votações irrisórias, graças ao transbordamento (spillover) da votação do “puxador de votos”.
Ainda assim, precisando dar respostas à sociedade, diante da ausência de uma “reforma política”, os legisladores se apressaram e instituíram, através da Lei 13.165/15, cláusula de desempenho individual (CDI) como barreira à ascensão de candidatos de baixa votação ao Legislativo: somente serão eleitos candidatos com votação igual ou superior a 10% do quociente eleitoral (QE).
A lei, contudo, é eivada de falhas* e não consegue resolver o problema fundamental: como substituir os candidatos que, eleitos diretamente pelo quociente partidário (QP), não lograram atingir a votação mínima exigida?
A Resolução 23.456/15, do TSE, veio em seu socorro, completando-a e incorporando correções apontadas pela PGR na ADI 5420/15, mas também não tem resposta para a questão levantada.
Há duas maneiras de se resolver o problema suscitado. Uma, no âmbito da própria lei, de baixo para cima (bottom-up), mirando os beneficiários dos votos do puxador.
Se o propósito principal da medida que embasa a CDI é impedir que candidatos de votações olímpicas possam eventualmente ter assento no Parlamento, então, pela lógica, todas as votações que estejam abaixo dos limites estabelecidos pela CDI devem ser expurgadas do sistema:
(a) calculam-se os votos válidos e o QE do pleito. Não se alocam ainda as cadeiras entre partidos ou coligações;
(b) usa-se o percentual estipulado da CDI sobre o QE;
(c) expurgam-se todas as votações individuais que estejam abaixo do limite fixado na CDI;
(d) tem-se agora novo quantitativo de votos válidos e novo QE, ambos menores que os iniciais;
(e) a alocação de cadeiras entre partidos, então, se fará regularmente, consoante QP e a distribuição de sobras pelo método D’Hondt das maiores médias.
Tem-se, enfim, que o preenchimento de vagas por substituição de candidatos que não tenham atingido o limite exigido pela CDI será feito sempre por postulantes com votação adequada aos ditames da lei.
A outra solução prescinde da desnecessária CDI, e o problema é enfrentado de cima para baixo (top-down), atacando a votação do próprio puxador, epicentro do transbordamento de votos.
É oportuno lembrar que o intento do legislador é evitar que os votos do puxador (definido aqui como aquele parlamentar cuja votação excede o QE) tenham influência na eleição de candidatos de partidos ou coligações.
O problema é resolvido mediante pequena mudança na sistemática atual de apuração de votos:
a) Computam-se os votos válidos do pleito e determina-se o QE, como é feito atualmente;
b) estarão eleitos por mérito próprio, como ocorre hoje, os candidatos que individualmente superaram o QE – os puxadores de voto;
c) subtrai-se do total de votos válidos de cada partido ou coligação, cujo candidato ultrapassou o QE, a quantidade de votos deste candidato;
d) faz-se nova contagem dos votos válidos do pleito e determina-se o novo QE;
e) procede-se, daí em diante, como no sistema vigente, alocando-se as vagas restantes de acordo com o QP e o método D’Hondt de distribuição de sobras.
Vê-se, assim, nessa configuração, que estaria definitivamente afastada a possibilidade de candidatos com votação ínfima ascenderem ao Parlamento por excesso de votos de um puxador.
As duas soluções estão em consonância com o espírito do legislador, são de simples operacionalização, não afetam os fundamentos do sistema proporcional e, sobretudo, evitam o vexame das contestações judiciais que poderão advir da aplicação da malfadada lei, parcialmente protegida pelo baixíssimo sarrafo de apenas 10% do QE.
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Maurício Costa Romão é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. https://mauricioromao.blog.br mauricio-romao@uol.com.br
*Vide de nossa autoria: “Cláusula de desempenho individual na Lei 13.165/15: problemas e propostas de solução”. Recife, fevereiro de 2018, 19 pag., disponível mediante solicitação.