Maurício Costa Romão
O voto espontâneo
Quando foram divulgadas as pesquisas do Datafolha e do Ibope para presidente, entre 10 e 12 deste mês de setembro, a grande curiosidade dos analistas era detectar eventuais efeitos sobre as intenções de voto decorrentes da facada desferida contra o candidato Jair Bolsonaro.
Dado que o foco principal estava voltado para esse aspecto, passou despercebido um relevante resultado mostrado pelas pesquisas: a razão voto espontâneo/voto estimulado.
Veja-se, inicialmente, à guisa de ilustração desse ponto, a eleição para prefeito de São Paulo em 2012.
Nota-se que à medida que o tempo vai passando, aproximando-se da data do pleito (07/10), as intenções de voto aos candidatos na espontânea vão convergindo para os números da estimulada.
Este é um padrão básico das pesquisas eleitorais: com o tempo, a campanha passa a entrar no clima, os pré-candidatos oficializam suas candidaturas, o horário eleitoral começa a viger, os candidatos vão ficando mais conhecidos, seus nomes vão se cristalizando na mente dos eleitores, as preferências vão se revelando e o voto vai se consolidando.
Bem mais à frente, às vésperas da eleição, os dois votos – o espontâneo e o estimulado – se tornam bem próximos um do outro. De fato, vê-se naquele pleito de 2012 que no levantamento realizado entre sexta-feira e sábado imediatamente antes do dia de votar, as intenções espontâneas de voto representavam para os principais candidatos, em média, aproximadamente 80% das intenções estimuladas de voto.
Bem, tudo isso para mostrar que esses patamares de convergência já foram alcançados e ultrapassados pelo candidato Jair Bolsonaro, bem antes das vésperas da eleição de 2018, diferentemente do padrão comum.
Com efeito, nas pesquisas Datafolha e Ibope agora na primeira semana de setembro o voto espontâneo para Bolsonaro, a quase um mês do pleito, já representa, em média, 86% do voto estimulado. Esta razão para os demais candidatos é 37,2%, em média.
O que significa isso? O seu nome já se incorporou à paisagem, é lembrado espontaneamente pelos eleitores e, ato contínuo, referendado por intenções de voto, o nome já está internalizado na mente dos eleitores. O voto aí é consolidado, resiliente, mais refratário a flutuações, próximo à decisão de voto.
No limite, in extremis, apenas para enfatizar o argumento, tanto faz o pesquisador mostrar o disco para o eleitor com os nomes listados dos candidatos, ou simplesmente perguntar “se a eleição para presidente do Brasil fosse hoje em quem você votaria?”, o resultado seria virtualmente o mesmo em respostas nas quais se declina o nome de Bolsonaro.
Neste contexto, se está delineando o que vaticinou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, quando disse, há alguns dias, que a recorrente polarização PT – PSDB (desde 1994, em sete eleições seguidas, incluindo esta de agora) dar-se-á, desta feita, no primeiro turno: os dois partidos vão disputar para ver quem consegue ir para a segunda etapa com Bolsonaro!
A volatilidade do voto
O voto espontâneo, a que se fez alusão acima, é importante também como elemento auxiliar de detecção da volatilidade do voto, um fenômeno que vem se consolidando nas eleições brasileiras: a paulatina mudança de comportamento do eleitorado que, cada vez mais, posterga sua decisão de voto para os dias finais das eleições, às vezes até para a hora de votar.
Por exemplo, no pleito de 2012, nas capitais São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba e Recife, chegou-se nas pesquisas de véspera (5 e 6/out) com uma média de 21% de eleitores que se declararam indecisos (NS/NR/Nenhum), na modalidade espontânea. Nos levantamentos imediatamente anteriores, de terça e quarta-feira (2 e 3/out), essa média alcançava 24% (pesquisas do Datafolha). Resultados de pesquisas em pleitos mais recentes mostram padrão semelhante.
Na Tabela acima, que retrata a eleição de São Paulo, nota-se que às vésperas do pleito o conjunto dos indecisos, na espontânea, somava nada menos que 26% (contra apenas 6% na estimulada).
Quer dizer, quando se aborda os eleitores um ou dois dias antes do pleito, sem mostrar nomes de candidatos, um em cada quatro deles se diz indeciso!
Daí decorrem as surpresas nos resultados das eleições. Se esses votos indecisos se distribuírem proporcionalmente às intenções estimuladas de voto (de acordo com a normalidade “gaussiana”), então haverá pouca ou nenhuma surpresa. Mas se isso não ocorrer, a destinação desses votos pode causar grandes reviravoltas eleitorais.
Enfim, dadas as enormes incertezas que cercam a eleição deste ano no Brasil, este modus agendi do eleitor, representado pela sua volatilidade ao votar, é mais um fator que pode alterar e muito os prognósticos feitos sobre quem ascenderá ao segundo turno.
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Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. mauricio-romao@uol.com.br