DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E POBREZA NO PLANO REAL

Maurício Costa Romão

Antes do Plano Real, em pleno processo de hiperinflação, a moeda nacional estava sendo repudiada pela população por haver perdido suas três propriedades básicas: reserva de valor, unidade de conta e meio de pagamento.

Para acabar com o regime de inflação alta e dar estabilidade à moeda, a reforma monetária implantada pelo governo à época compreendeu, basicamente, duas etapas sequenciais:

(a) instituição de um indexador contemporâneo, a URV, unidade de referência corrigida pela inflação vigente e com a qual se buscava reduzir a memória que a indexação introduz em todo processo inflacionário crônico;

(b) transformação da URV, após seu uso generalizado como indexador de contratos, na moeda do país (o Real), a qual, por construção, surgiu forte, com poder aquisitivo estável, e restaurada de suas três funções básicas que lhe conferem aceitabilidade geral.

Ao completar 20 anos de existência o Plano Real tem merecido as reverências devidas pelo sucesso do seu programa de estabilização.

Um subproduto do Plano, menos lembrado do que sua engenhosidade como programa de desindexação da economia, foi seu impacto imediato sobre a distribuição de renda e a pobreza.

Com efeito, o programa de estabilização promoveu uma fulminante cessação de pagamento do imposto inflacionário por parte da população.

Tal imposto, em linguagem simples, representa o quanto se perde em poder de compra do dinheiro por não se ter condições de protegê-lo da corrosão inflacionária, aplicando-o em ativos reais e nas quase-moedas (poupança, CDB, FAF, títulos governamentais, etc.).

O estamento mais pobre da sociedade é, naturalmente, o mais vulnerável ao “recolhimento” compulsório desse imposto inflacionário, de que resulta ser o regime de inflação alta o mais perverso possível para este segmento da população.

Cessada a inflação, a classe mais desprotegida vê-se, subitamente, favorecida por elevação do seu poder de compra, o que equivale a um aumento de renda real (a par de outras vantagens inerentes ao próprio processo de estabilização: transparência de preços relativos, acirramento da concorrência, reinstituição da programação orçamentária, etc.)

As implicações desse fenômeno sobre a distribuição de renda e a pobreza são imediatas: aumento da renda real média dos pobres, retração da incidência da pobreza e melhoria do perfil distributivo de renda.

Dados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) referentes aos anos de 1993 e 1995, retratando a transição do período de inflação alta para o Plano Real, são deveras eloqüentes a esse respeito para o Brasil.  

Com efeito, naquele curto período a renda real média dos pobres aumentou de 0,580 salários mínimos, em 1993, para 0,682 salários mínimos, em 1995. A proporção de pobres na população (a incidência da pobreza), involuiu de 41,4% para 32,3%, no mesmo lapso de tempo, e a desigualdade de renda melhorou, tendo o Coeficiente de Gini diminuído de 0,603 para 0,593.

Com o fim da alta inflação, houve grande mobilidade econômica, com ascensão imediata da população vulnerável ao mercado de consumo. Pena que descuidos do governo nos componentes não-inerciais da inflação, principalmente na área do déficit fiscal, comprometeram o dinamismo da economia e impediram que essa inclusão social fosse mais extensa e duradoura.

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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e Institucional, e do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br

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