Editorial do Jornal do Commercio, 23/08/2011
Como se no País longe dos gabinetes e restaurantes de Brasília, a educação, o saneamento, a saúde, o transporte, a segurança, o emprego e a qualidade de vida estivessem muito bem, sem a necessidade de projetos e ações urgentes, os parlamentares das duas casas congressuais fazem pouco caso dos votos que receberam e desmerecem a representação democrática. Preferem a queda de braço com as lideranças governistas, em busca de maiores fatias na administração federal, e da liberação generosa, pelo governo, das famosas emendas que distribuem recursos no varejo, aos projetos de deputados e senadores, em troca de apoio político.
Enquanto isso, alheia à inação do Congresso, a penúria prossegue na precária infraestrutura básica, à espera da boa vontade de suas excelências inclusive dos governistas que deveriam conduzir a negociação rápida das questões que atravancam o processo legislativo e emperram o desenvolvimento nacional.
A obstrução das votações é o instrumento regimental utilizado para tornar o governo refém do Congresso. Para piorar o quadro de instabilidade que se traduz em paralisia, a gestão Dilma Rousseff acaba de sofrer a quarta baixa ministerial em praticamente um semestre, das quais três foram na esteira de graves denúncias de corrupção. A dilapidação do suporte partidário sai das entranhas da base governista e ameaça o desempenho da administração, em um ano de muita faxina e pouca arrumação: a presidente demite depois que a notícia se espalha, ou depois que a Polícia Federal prende, mas é difícil vislumbrar-se qualquer solução para a rebeldia dos partidos, no nó de um apoio político costurado ainda antes da posse da presidente.
Uma das vítimas da inércia parlamentar que aponta para um ano perdido, graças ao esforço concentrado na apreciação de valores de emendas e liberações, é a reforma política. Como destacou o repórter Sérgio Montenegro Filho em matéria que publicamos no dia 14, a crise deflagrada por supostos esquemas envolvendo aliados do governo fez com que a unanimidade em torno da reforma política sucumbisse à agenda da administração da crise. Um movimento popular semelhante ao que conseguiu a aprovação do Projeto Ficha Limpa está sendo articulado para levar aos parlamentares uma proposta de reforma política que esteja imune a previsíveis casuísmos e distorções. Sem a iniciativa de fora, de fato, a mudança do sistema eleitoral cai no fosso do descrédito que reúne o Parlamento brasileiro.
A colunista Ana Lúcia Andrade, deste JC, sintetizou, na última quinta-feira, o estado lamentável que reina no Congresso: o critério fisiológico é que define a produção parlamentar, num cenário onde as miudezas do baixo clero são disseminadas vergonhosamente nas duas Casas. Vozes respeitadas da Câmara e do Senado poderiam se levantar nesta hora em que o apreço do cidadão pelos políticos agoniza, diante de um pragmatismo mesquinho que esquece o futuro coletivo. A imagem cada vez pior dos parlamentares requer um chamamento à responsabilidade abandonada, à deriva da política pequena que assola a instituição.