COMENTÁRIOS À PROPOSTA DO DEP. SÍLVIO COSTA SOBRE A “INDÚSTRIA DAS PESQUISAS ELEITORAIS”

Maurício Costa Romão

Parte I

No seu mui visitado blog o jornalista Jamildo Melo postou instigante matéria (Campo Minado”, 25/09/2012), em meio à qual transcreve trechos que embasam uma proposta de maior controle das pesquisas eleitorais, da lavra do nobre deputado federal Sílvio Costa, a ser apresentada à Câmara dos Deputados.

A justificativa do atuante e combativo parlamentar de submeter tal projeto à apreciação de seus pares é assim explicada, in verbis:

“Precisamos amarrar melhor a elaboração e a apresentação destas pesquisas. Hoje, é uma bagunça. Em algumas cidades do interior, um candidato com 12% na frente é surpreendido pela divulgação de outra pesquisa, em um blog ou um site, apontando um concorrente na frente. Como pode?”.

“O fenômeno ocorre no Brasil inteiro. Alguns donos de instituto de pesquisa se acertam com candidatos, fazem o registro e usam as redes sociais para espalhar a notícia. A força das redes sociais hoje é assustadora e acaba levando muitos incautos a erro, induzindo as campanhas em alguma direção. Isto gera um inferno na campanha e na vida dos demais candidatos prejudicados. Os donos dos institutos de pesquisa acabam tendo um poder político enorme (que pode ser usado para o mal)”.

A questão do controle das pesquisas é recorrente: aparece no noticiário em todas as eleições majoritárias e há dezenas de projetos de lei no Congresso sobre o assunto, sempre tendo como fundamento a possível influência desses levantamentos sobre a decisão do eleitor (ponto que será abordado mais à frente).

Alguns projetos intentam proibir a divulgação das pesquisas 15, 30, 45 dias antes do pleito. Outros almejam obrigá-las a ouvir tantos por cento do eleitorado. Outros, ainda, estipulam que a margem de erro deva ser no máximo de 1%, e por aí vai.

 

Tais propostas não fazem o menor sentido!

 

À guisa de ilustração: o senador Eduardo Azeredo, do PSDB de Minas, propôs um projeto no Senado em que as pesquisas nacionais ouvissem pelo menos 0,01% do eleitorado. Ora, isso equivale a cerca de 14 mil eleitores. Quem vai fazer uma pesquisa desse tamanho, quando se obtém os mesmos resultados com 2 mil eleitores? Além do custo, bem mais elevado, trata-se de desperdício de energia e tempo.

 

O ilustre senador, ainda por cima, associa tamanho de amostra à precisão, numa relação direta: quanto maior o tamanho da amostra, maior é a precisão dos resultados. Não necessariamente! O importante de uma amostra não é o tamanho, mas sua representatividade do universo pesquisado.

 

Ademais, uma das principais fontes de discrepância dos números das pesquisas em relação aos resultados das urnas não depende do tamanho da amostra: trata-se do erro não amostral, proveniente de fatores ligados à metodologia de concepção da pesquisa ou à sua operacionalização em campo (questionários mal elaborados, despreparo técnico dos pesquisadores, dados socioeconômicos defasados ou inadequados, supervisão de campo deficiente, etc.). (Continua na Parte II).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

COMENTÁRIOS À PROPOSTA DO DEP. SÍLVIO COSTA SOBRE A “INDÚSTRIA DAS PESQUISAS ELEITORAIS”

Maurício Costa Romão

Parte II

 

Voltando à sugestão do deputado pernambucano:

 

“Pela proposta do deputado federal, as empresas que fazem levantamentos eleitorais poderão sofrer penalidades e mesmo fechar, ou serem suspensas, caso as suas análises não se confirmem. Como a margem de erro dos institutos historicamente é de 3%, o instituto que errar acima dos 7,5% (sic) estabelecidos como margem, seria proibido de registrar pesquisas na próxima eleição. Na eleição seguinte, caso os erros se mantivessem, seria definitivamente fechado. E os donos pagariam multas a serem arbitradas”. Apud Jamildo Melo, no mencionado post.


É oportuno recorrer a um exemplo da evidência empírica para mostrar que essa proposta de Sílvio Costa não deve ser aplicada no mundo das pesquisas.

Na eleição para governador da Bahia, em 2006, Paulo Souto, então candidato à reeleição, registrava no Ibope 56,5% contra 36,5% de Jaques Wagner, 20 pontos de diferença de intenção de votos válidos, isso no dia 25 de setembro, segunda-feira da semana do pleito. Souto já era tido por todos como vencedor no primeiro turno.

No domingo, dia 1º, quem ganhou a eleição no primeiro turno foi Wagner, com 10 pontos de vantagem! O Ibope e todos os demais institutos erraram, não só apresentando resultados fora da margem de erro, mas errando o nome do vencedor do pleito (o que é pecado mortal em pesquisa de intenção de voto).

Antes de qualquer coisa, quando um instituto erra? Tecnicamente, só existe erro se os prognósticos do instituto ficam fora da margem de erro, quando os resultados são comparados com os dados oficiais da eleição. O problema é que as pessoas, os candidatos, os dirigentes de campanha, começam a dizer que as pesquisas estão erradas antes de comparar seus prognósticos com os resultados oficiais das urnas. O próprio deputado incorre nesse equívoco:

“…um candidato com 12% na frente é surpreendido pela divulgação de outra pesquisa, em um blog ou um site, apontando um concorrente na frente…”.

Não se pode dizer, em princípio, que uma ou outra pesquisa citada pelo deputado está errada. Elas são oriundas de institutos diferentes, com metodologias distintas. Ademais, foram a campo nos mesmos dias? Têm a mesma margem de erro? Que tamanho de amostra foi utilizado num e noutro caso? Etc.

Enfim, a lei fundamental no contexto das pesquisas eleitorais é essa: resultados fora da margem, quando comparados com os dados das urnas, são considerados erros de previsão dos institutos de pesquisa. Por esse critério, então, o Ibope, e todos os demais institutos erraram na Bahia.

Mas o que houve para os institutos errarem?

Naquele pleito, na última semana, desencadeou-se um inesperado movimento na sociedade baiana, que terminou por contaminar muita gente. Uma espécie de “onda de opinião”, como denomina o cientista político Jairo Nicolau. Apesar da bem avaliada gestão de Paulo Souto, a população, de repente, resolveu mudar, fazer uma nova experiência, dar um basta no continuísmo, frear o reinado do Carlismo.

E aí as pesquisas não têm instrumentos nem velocidade para acompanhar esses movimentos ondulatórios abruptos, imprevistos, inesperados. Terminam errando os prognósticos. Aconteceu em 2008 com Lacerda, em Belo Horizonte, e Gabeira, no Rio de Janeiro. Teve a “onda verde” de Marina, a repentina ascensão do senador Aloysio em São Paulo, em 2010, etc. Mas esses são casos atípicos. Sem essas oscilações abruptas, sem essas “ondas”, os índices de acertos dos institutos são acima de 95%.

Pela proposta do insigne deputado Sílvio Costa, vários institutos importantes do Brasil não poderiam realizar pesquisas na eleição seguinte. Uma penalidade injusta. (Continua na Parte III – Final).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

COMENTÁRIOS À PROPOSTA DO DEP. SÍLVIO COSTA SOBRE A “INDÚSTRIA DAS PESQUISAS ELEITORAIS”

Maurício Costa Romão

Parte III – Final

 

Como se disse antes, os projetos que intentam controlar a metodologia e/ou a divulgação das pesquisas, têm como pano de fundo a eventual capacidade de as pesquisas determinarem o resultado eleitoral. Este é um assunto deveras controverso.  Com efeito, a distinção entre apenas aferir a opinião pública e influenciar essa opinião é assunto não resolvido, teórica e empiricamente. 

As pesquisas eleitorais exercem um importante papel de comunicação, que é o de expressar para a sociedade o que é que o eleitor está pensando sobre as eleições, quais são seus sentimentos e expectativas, quais suas preferências pelos prováveis candidatos, etc.

Em princípio, então, as pesquisas são meros veículos de aferição do que pensam os eleitores e apenas espelham o sentimento prevalecente da população num dado instante de tempo. As pesquisas são a caixa de ressonância do pensamento do eleitor.

Acontece que elas são protagônicas. Quando são publicadas passam a ser o farol que ilumina as discussões político-partidário-eleitorais. Daí por que são o alvo preferencial dos que se sentem prejudicados.

Nesse sentido as pesquisas são “ditadoras”. Para um candidato que está na frente em intenção de votos a pesquisa funciona como uma peça de seu marketing, assim como ele usa sua propaganda, seu jingle de campanha, etc. O candidato se utiliza da pesquisa como forma de mostrar seu favoritismo e de estimular o voto útil, voto que premia quem está na frente nos levantamentos eleitorais. Quem está atrás na pesquisa, por sua vez, tenta desqualificá-la, buscando atingir sua credibilidade.

Em resumo, há relativo entendimento na literatura especializada de que as pesquisas influenciam uma parcela do eleitorado, notadamente a de renda e escolaridade mais baixas, mas não a ponto de definir eleições. Ganhar eleição mesmo, quem ganha é o candidato, não é a pesquisa.

Já os projetos de lei que propõem restrição à liberdade de divulgar pesquisas, são piores ainda, pois estão mais do que tolhendo o legítimo direito do público à informação. Estão, na verdade, privilegiando apenas aqueles que podem pagar pela informação e dela dispor da maneira que lhes aprouver. Decididamente, não é por aí. As pesquisas carecem de aperfeiçoamentos, claro, mas não de amarras legais.

 

Por fim, quem deve controlar as pesquisas é o mercado! Um instituto de pesquisa de opinião vive de sua credibilidade. Sua permanência no mercado político-eleitoral, que é bastante competitivo, depende crucialmente dos resultados que apresenta.

 

Se esses resultados forem sendo percebidos com acurados, consistentes, próximos aos oficiais, mesmo que alguns se situem fora das margens de erro, o que é inevitável, então o caminho de sucesso comercial desse instituto estará pavimentado por muito tempo.

 

Se, entretanto, tais resultados forem frequentemente errôneos, se estiverem constantemente sob suspeição, e em particular, se a entidade passa a carregar a pecha de venal, então sua inidoneidade é decretada pelos contratantes e sua saída do mercado é iminente.

Assim, os institutos são os maiores interessados em que sua imagem não seja objeto de deslustre, de questionamentos quanto à ética e à idoneidade, e empregarão todas as suas faculdades e competências para apresentar bons resultados, os quais serão seu cartão de visitas para as eleições seguintes e a fonte de suas receitas financeiras.

Portanto, o maior atributo de um instituto de pesquisas é a sua credibilidade; por que decretar seu próprio fim, perdendo-a?

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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e de Mercado, e do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br https://mauricioromao.blog.br.

 

 

 

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