Maurício Costa Romão
Os analistas da política e os próprios políticos são quase unânimes em apontar as coligações proporcionais como a maior deformação do sistema brasileiro de lista aberta.
De fato, a evidência empírica tem mostrado que as coligações:
(a) são episódico-eleitorais; (b) estimulam o mercado de aluguel de siglas; (c) contrariam a vontade do eleitor; (d) descaracterizam o voto de legenda; (d) não têm o atributo da proporcionalidade no seu interior; (e) podem eleger representantes de partidos que não ultrapassaram o quociente eleitoral; (f) podem não eleger representantes de partidos que ultrapassaram o quociente eleitoral e (g) contribuem para fragmentação e enfraquecimento dos partidos.
Mesmo conscientes dessas distorções, os parlamentares federais – principalmente os que foram eleitos por agremiações médias e pequenas, incluindo as mais ideológicas, – têm resistido a expurgar o dispositivo no bojo das reformas político-eleitorais discutidas no Congresso Nacional em várias legislaturas.
Agora mesmo perpetra-se mais uma tentativa de eliminar tal sistemática eleitoral, através da PEC 36 do Senado Federal, já aprovada em plenário e remetida para apreciação na Câmara Federal.
Além de extinguir as coligações proporcionais, a PEC também institui cláusula de barreira, facultando direito a funcionamento parlamentar (estruturas próprias e funcionais, nas casas legislativas, participação na distribuição dos recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão) somente a partidos que já para 2018 obtenham para deputado federal um mínimo de 2% dos votos válidos distribuídos em pelo menos 14 estados, com um mínimo de 2% dos votos válidos em cada um deles.
A cláusula atingiria de morte os partidos: PCB, PCO, PEN, PHS, PMN, PPL, PRP, PRTB, PSDC, PSL, PSTU, PTdoB, PTC e PTN, e muito provavelmente alcançaria agremiações como PPS, PCdoB, PROS, PSOL, REDE e PV.
Estes partidos já se estão mobilizando contra a cláusula de desempenho, antes mesmo de a PEC chegar à Câmara Federal, o que deixa antever sejam remotíssimas as chances de o dispositivo ser instituído, até porque exigiria quórum qualificado de 3/5 dos deputados (308 votos), com votação em dois turnos.
Corre-se o risco, portanto, de não se aprovar a cláusula de barreira e, ainda por cima, estimular a união de forças na Casa que termine por encetar movimento que rejeite também o fim das alianças proporcionais.
A estratégia pragmática correta e mais segura seria deixar de lado a cláusula de desempenho (até pelo menos 2022, quando seria eventualmente apreciada) e, como moeda de negociação, obter apoio para a extinção das coligações proporcionais.
Observe-se que o fim das coligações tem algumas repercussões semelhantes ao que ocorreria com a imposição da cláusula de desempenho:
- Somente partidos que ultrapassem o quociente eleitoral ascendem ao Parlamento, ao contrário do que acontece na sistemática atual, em que partidos podem eleger representantes sem lograr atingir tal quociente.
- Por conta de (1), alguns partidos de pouca expressão numérico-eleitoral tendem a desaparecer, pois sua principal moeda de troca – tempo de TV, aluguel/cauda – não terá mais valor no mercado eleitoral. Para sobreviverem, os partidos, nessa situação, incluindo os ideológicos, serão compelidos a fundir-se, diminuindo o número de siglas partidárias.
- O voto de legenda adquirirá imediato significado político-partidário posto que, embora ainda misturado aos votos nominais, terá repercussão apenas na sigla à qual o voto for consignado (no atual modelo o voto de legenda se perde no interior da aliança e pode servir para eleger candidatos distintos do partido ao qual o voto foi concedido).
- Haverá maior identidade entre eleitor, candidato e partido, já que o voto em José, do partido XYZ, somente servirá para eleger o próprio José ou candidatos de XYZ, diferente de hoje, que se vota em José e pode-se estar elegendo João, do partido ABC.
- O número de candidatos ao Parlamento tende a aumentar, pois os partidos terão interesse eleitoral em usar o limite máximo permitido de postulantes (50% a mais que as vagas parlamentares). Hoje a coligação só pode ter, no conjunto, o dobro de candidatos relativamente às vagas legislativas.
- Será restabelecida a essência do sistema proporcional de representação parlamentar em que os candidatos são eleitos em consonância com a proporção de votos obtida pelos partidos, o que não acontece com o mecanismo brasileiro de coligações em cujo interior impera, no mais das vezes, a desproporcionalidade.
- Haverá estímulo à criação de blocos parlamentares entre partidos com afinidades programáticas.
-
A criação de novos partidos tende a diminuir drasticamente, em especial por conta das dificuldades eleitorais de, isoladamente, atingir quocientes eleitorais, e por causa do papel irrelevante da nova agremiação em termos de “valor de mercado”.
Saliente-se ainda que a minirreforma de 2015 já estabeleceu limites mais rígidos para os partidos sem representação na Câmara Federal terem acesso ao tempo de rádio e TV e ao fundo partidário, de sorte que, sob este aspecto, a não instituição da cláusula de desempenho alteraria pouco o contexto atual.
Enfim, tramitar na Câmara, concomitantemente, a cláusula de barreira e o fim das alianças é correr o risco de não aprovar nenhuma das duas propostas. O certo é concentrar esforços no mecanismo das alianças proporcionais, lipoaspirando-o de vez do sistema atual.
—————————————————-
Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos.