Janguiê Diniz
Jornal do Commercio, 01/02/2012
É no capitalismo que a democracia liberal se desenvolve, sendo o trabalho onipresente – descrição comum em nossos dias. Portanto, as pessoas se lançam a atividades produtivas para o consumo. Mas a exigência do exercício da liberdade individual das pessoas, ou seja, a livre iniciativa acautela a intervenção do Estado no dia a dia dos indivíduos e fragiliza vozes absolutistas que tentam gritar ainda “O Estado sou eu”.
A sociedade é conduzida a uma correria sem fim, “da qual não mais são senhores e da qual a produção é a manifestação mais evidente”, diz-nos o sociólogo Michel Maffesoli. Mas os indivíduos vão com pés acomodados em confortáveis sapatos que não deixam calos e não lhes roubam o prazer do consumo em acelerados meses do ano.
A democracia, inicialmente, tinha como característica fundamental a prática da participação popular. Sendo, agora, a liberdade sua bandeira, a democracia provocou a expansão comercial na Europa no século 19, dando origem a estados modernos e pondo fim em regimes ditatoriais. Mais adiante, surgiu a democracia liberal. Vale lembrar que liberdade de pensamento e livre discussão são valores últimos do liberalismo. E a democracia liberal teve como hóspede o capitalismo. É no capitalismo que a democracia liberal se desenvolve. E com essa liberdade as instituições existentes puderam ser julgadas durante os anos que se sucederam. Revisadas e modificadas, legitimam costumes e valores novos. O tempo dos ponteiros do relógio se foi. Obsoletos objetos ainda há, mas na mão de colecionadores. Estácio, por exemplo, traz alguns protegidos sob seis ou sete panos, em caixas de aroeira e de cerejeira. A ideia de De Masi (ócio criativo) foi um equívoco. O trabalho é o significante maior, manifestando a presença do homem. Onipresente, de fato, o trabalho. E, com isso, tudo se renova em sociedade. Capitalismo e democracia, caro leitor e atenta leitora, são compatíveis? Embora as variadas crises do capitalismo estejam levando diversos intelectuais e políticos a afirmarem que o capitalismo não contribui para o fortalecimento da democracia, essas asseverações são incorretas. Crises capitalistas ocorrem e continuarão a ocorrer, pois elas fazem parte da dinâmica do sistema. Por outro lado, como bem demonstra a história, essas crises são passageiras, em razão das ações do Estado. Os indivíduos são peças que integram e fazem funcionar as dinâmicas do capitalismo e da democracia. Suas impressões digitais não negam isso. A essência da prática individual no capitalismo e na democracia é o exercício da liberdade. Quem, por alguma razão, desejar tornar completamente privada a existência humana, talvez esteja equivocado hoje. Mas, seguramente, a mais privada de todas asatividades humanas ( a do trabalho ) chegou expressivamente com o capitalismo, permitindo às pessoas privatividade de seus bens e, claro, em alguns casos, quando lhe for negada, permitindo a oportunidade de transformar sua propriedade em apropriação para seu próprio usufruto. Mas não lhe é tirado o gozo do capital, do consumo e do usufruto. Não ignorar a economia em campanhas políticas e em gestão pública é representação prudente e inteligente. Criatividade não combina com ócio. Democracia, também não.
Janguiê Diniz é doutor em direito. janguie@sereducacional.com