Maurício Costa Romão
“De acordo com o MCCE, a mudança na forma de eleição dos parlamentares visa tornar a eleição mais representativa e evitar que um único candidato seja responsável pelas eleições de vários outros, como aconteceu nas eleições passadas quando o palhaço Tiririca, concorrendo pelo PR-SP, elegeu quatro parlamentares ao ter cerca de um milhão e trezentos mil votos”. Jornal do Brasil, 24/06/2013.
A proposta de sistema eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e de outras dezenas de entidades, no bojo de projeto mais amplo intitulado “Eleições Limpas”, tem tido enorme acolhida nos meios de comunicação. Foi igualmente bem recepcionada no governo federal e em parte do Congresso Nacional.
O diagram acima sintetiza o teor da proposta.
Em que pese o inegável prestígio das entidades que subscrevem a referida proposta eleitoral, o que em si já é um atestado de que seu conteúdo está eivado de sérios propósitos, temos chamado à atenção para vários problemas que danificam tal formulação.
O diagrama seguinte relaciona os grandes pontos negativos da mencionada sugestão, pontos esses que foram detalhados em outro texto publicado no blog do autor*.
Neste texto abordaremos apenas duas questões interligadas, mostrando que a proposta da OAB não evita que candidatos menos votados sejam eleitos, em detrimento de candidatos com maiores votações e, tampouco, impede que haja transbordamento (spillover) de votos do puxador para candidatos com poucos votos (contrariando o que sugere o MCCE na citação que encabeça o presente artigo).
Os mais votados não necessariamente serão eleitos
Demonstração
Consideremos uma jurisdição eleitoral cujo Parlamento tenha 10 vagas e uma eleição em que se apresentam três partidos A, B e C.
Primeiro turno (os eleitores só votam nos partidos)
Imaginemos que os partidos apresentem 20 candidatos cada um, num total máximo permitido de 60 (cada partido pode apresentar até o dobro de candidatos em relação às vagas legislativas).
Realizado o pleito em sua primeira etapa, suponhamos que o partido A obtenha 5 vagas, o partido B conquiste 3 vagas e o partido C fique com 2 vagas, totalizando as 10 vagas disponíveis.
Segundo turno (os eleitores votam em candidatos)
Admitamos que no segundo turno o partido A apresenta 10 candidatos, o partido B, 6 candidatos e o partido C, 4 candidatos (cada partido pode apresentar até o dobro de candidatos em relação às vagas conquistadas no turno precedente, obedecidas as colocações em ordem decrescente dos nomes nas listas).
Dessa forma, têm-se os 20 postulantes dos 3 partidos:
a1,a2,…, a10 são os 10 candidatos do partido A (que tem direito a 5 vagas);
b1,b2,…, b6 são os 6 candidatos do partido B (que tem direito a 3 vagas);
c1, c2,c3e c4 são os 4 candidatos do partido C (que tem direito a 2 vagas);
Resultado da eleição
Realizado o pleito em segundo turno, imaginemos que a ordem geral decrescente desses 20 mais votados tenha sido (há várias maneiras de apresentar este exemplo em termos de ordem de votação recebida):
c1, c2,c3, c4,b1,b2, b3, b4, b5, b6, a1,a2,…, a10
Note-se que, embora todos os candidatos do partido A tenham sido os menos votados do pleito, ainda assim, o partido preencherá as 5 vagas que lhe pertencem, conquistadas no primeiro turno (candidatos eleitos de A: a1,a2,a3,a4 e a5).
Essas 5 vagas serão ocupadas no lugar de 2 vagas do partido C (quer dizer, no lugar dos candidatos mais votados c3e c4) e 3 do partido B (no lugar dos candidatos mais votados b4, b5e b6). Então, ficarão fora do Parlamento candidatos mais votados em detrimento de outros menos votados.
Sob este aspecto, portanto, a proposta da OAB não difere do modelo proporcional de lista aberta em vigor no Brasil: os candidatos mais votados do pleito não são necessariamente os eleitos.
Os votos do puxador podem eleger candidatos de baixa votação
Demonstração
Admitamos outra situação em que um partido D tenha um puxador de votos e que este partido tenha direito a 6 vagas no Legislativo. Na votação do segundo turno o partido D se apresenta com 12 candidatos, sendo que os 6 mais votados do partido foram:
d1= 1.573.642 votos
d2= 18.421 votos; d3 = 673; d4 =484; d5 = 382 e d6= 275 votos.
Independente da votação de candidatos de outros partidos, o partido D ficaria com as 6 vagas ganhas no primeiro turno, sendo que 5 delas seriam preenchidas por candidatos de votações ínfimas.
Este exemplo daí de cima é o famoso caso de Enéas, em 2002. Então a afirmativa do MCCE de que a proposta em tela vai “evitar que um único candidato seja responsável pelas eleições de vários outros, como aconteceu nas eleições passadas…” não encontra respaldo na evidência empírica.
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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e Institucional, e do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br, https://mauricioromao.blog.br.