CANDIDATOS DE MANDATO E O DISTRITÃO

 

 Maurício Costa Romão

É cediço entre analistas políticos que a reforma eleitoral de 2017, que deu fim as coligações proporcionais e instituiu cláusulas de desempenho partidário, possui o condão de contribuir fortemente para o aprimoramento do sistema político-partidário brasileiro, já tendo, inclusive, mostrado promissoras perspectivas na eleição municipal recém-finda.

 Embora no plano dos princípios, dos fundamentos e dos propósitos, a grande parte da classe política defenda essas conquistas históricas da reforma, graça entre os parlamentares, todavia, o sentimento de sobrevivência política sustentado na evidência empírica de que com esse regramento das coligações muitos deputados não conseguirão ser reeleitos em 2022.

Veja-se, à guisa de exemplo, a constatação prática em Pernambuco (lembrando, no dizer de Lênin, que “a prática é o critério da verdade”). Na eleição de deputado federal em 2018, dos 33 partidos que disputaram o pleito, 24 não atingiram o quociente eleitoral (QE) de 173 mil votos, apesar de sete deles terem eleito um parlamentar cada por conta das coligações.

Ou seja, mantido o mesmo QE em 2022, num contexto sem coligações, esses 24 partidos, exibindo votações nos patamares de antes, não elegerão ninguém, incluindo seus deputados de mandato.

Como essa dificuldade eleitoral dos partidos dá-se em todos os estados da federação, são compreensíveis as movimentações no Congresso Nacional em busca de uma saída legislativa para 2022, saída essa que traga algum alento às siglas ameaçadas e a seus candidatos.

Na impossibilidade política de trazer de volta as coligações, ou enveredar pelas incertezas conceituais e operacionais da “federação de partidos” – tidas como soluções para suas apreensões eleitorais -, os parlamentares estão concentrando esforços na mudança do atual sistema de voto para a vertente majoritária do distritão.

Ora, pela lógica, se os parlamentares estão unidos neste desiderato é porque vislumbram na nova modalidade mais chances de renovação de mandato. O propósito deste texto é examinar esta possibilidade. Antes, brevíssimas características dos dois modelos.

No modelo proporcional os mais votados do partido é que são eleitos, independentemente da votação de outras siglas. Assim, o importante é a votação agregada do partido, não a do candidato individual.

No distritão, por seu turno, os mais votados da eleição é que ascendem ao Legislativo, independente de que partidos sejam egressos. Por conseguinte, o que vale é a votação individual do candidato, não a votação conjunta do partido, até porque no distritão não existe QE.

Então, em resumo, está-se buscando trocar um modelo que privilegia a votação agregada do partido por outro cujo foco é a votação individual. Um exemplo simples para deputado federal pode esclarecer melhor esse ponto.

No mecanismo atual considere um candidato comum, de votação mediana, não no conceito estatístico, mas referencial de uma votação razoável (entre 60 mil e 70 mil votos, para o caso de Pernambuco). Imagine ainda um partido que tem estimativa de receber no entorno de180 mil votos em 2022, num pleito em que o QE é esperado atingir algo como 170 mil votos.

Este partido garantiria uma vaga no Legislativo e elegeria o seu candidato mais votado, qualquer que seja sua votação, desde que superior a 17 mil votos (cláusula de barreira individual de 10% do QE).

Muito bem. Suponha-se agora que o candidato mais votado desse partido obteve 60 mil votos, elegendo-se, portanto. Porém, ele não seria eleito no distritão, pois não desfilaria entre os mais votados do pleito (em Pernambuco, a julgar pelos números de 2018).

No geral, então, candidatos de votação mediana têm mais chances de se eleger pelo sistema proporcional (desde que o partido tenha excedido o QE, claro) do que pelo distritão. Mas, a maior preocupação dos parlamentares, mesmo entre aqueles de alta votação, é a de que seus partidos não tenham ossatura eleitoral para atingir o QE.

De fato, o candidato pode receber, por exemplo, o dobro de votos (120 mil votos) do hipotético postulante mediano e ainda assim não ser eleito, nem como suplente. Tal candidato, entretanto, certamente ascenderia ao Parlamento no modelo distritão (exemplo de Pernambuco).

Em apertada síntese:

(1)  No modelo proporcional uma sigla com votação superior ao QE garante vaga para pelo menos um candidato, desde que este supere a votação de 10% do QE. O mecanismo então favorece o postulante de votação mediana, que dificilmente se elegeria pelo modelo majoritário.

(2) Se a sigla não tem vertebração de votos para exceder o QE, a alta votação de um dos seus candidatos é irrelevante, ele não se elege. Neste caso, o distritão lhe garante vaga.

Agora, o contexto fático. Além da resistência no Congresso de alguns partidos e parlamentares à mudança de sistema, em especial, no Senado, tem-se o obstáculo de que quaisquer alterações na legislação para viger em 2022 terão que ser feitas até setembro deste ano, por conta do princípio da anualidade. Em pleno pico da crise pandêmica e com importantes reformas pendentes é pouco provável que haja tempo e ambiente para o Congresso examinar matéria de tamanha envergadura e repercussão.

Mantido então o modelo vigente, a solução para as agremiações com pouca densidade de votos de enfrentar as urnas sem coligações (e também perpassar os rigores da cláusula de desempenho) é, indiscutivelmente, o da fusão de siglas, através da qual podem adquirir musculatura eleitoral competitiva e nova roupagem programática. Alea jacta est!

————————————————————————

Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. mauricio-romao@uol.com.br

Deixe um comentário