Eliane Cantanhêde
Folha de S.Paulo, 19/09/2010
Desde a exuberante Cicciolina, que exibia os seios fartos nas campanhas italianas, ficou claro que candidatos exóticos não são exclusividade brasileira. Mas a brincadeira está indo longe demais. Não bastasse Tiririca ser candidato, o que já é em si um achincalhe, para uns, ou um alerta, para outros, ele agora é candidato a ser campeão de votos para a Câmara em todo o país. Algum motivo há.
O principal deles é que uma fatia considerável do eleitorado está cansada, desiludida e irritada com a política, convencida de que são todos iguais e de que o Congresso não serve para nada, além de oferecer vantagens para os próprios deputados e senadores e a parentada deles. Tiririca é, assim, um voto basicamente de protesto.
Por isso sempre há e haverá espaço para aventureiros ou gozadores, principalmente em eleições proporcionais. O próprio Tiririca não veio disputar voto com os candidatos ditos “sérios”. Veio, sim, disputar o eleitorado órfão de Enéas Carneiro, que foi candidato a presidente com o bordão “Meu nome é Enéas”, elegeu-se deputado em 2002 com 1,5 milhão de votos e morreu em 2007.
Alguém precisava ocupar o espaço do voto “cacareco”, que reúne, além de protesto, pilhéria e ignorância. Tiririca ocupou fantasticamente bem, com uma diferença: Enéas era um misto de cacareco e fascistoide, com seu discurso caricato de direita, mas Tiririca nem se dá ao trabalho de ter mensagem, discurso, promessa. É o escracho pelo escracho.
Em meio ao desfilar de candidatos certinhos, bem penteados e falando as mesmas obviedades, só um palhaço chamaria a atenção. Acrescente-se a isso um nome jocoso, um slogan contundente e de fácil compreensão (“Pior do que está não fica”) e eis aí a fórmula para o sucesso. É preocupante, mas não surpreendente, que o Tiririca desponte como recordista de votos.
Aliás, se ele já é campeão de comentários na campanha, por que não seria nas urnas? Em reportagens, análises e mesas de bar, sempre se dá um jeito de enfiar o Tiririca no texto ou na conversa. O fenômeno extrapolou as fronteiras brasileiras. Jornalistas estrangeiros já vão logo perguntando: “E o Tiririca?”
O palhaço, porém, não está sozinho como opção saborosa de voto nulo. Há muitas outras nulidades, como a Mulher Pêra que mal respira num corpete ridículo, Raul Gil tirando o chapéu para o filho que nem abre a boca e Mara Maravilha abrindo alas para o marido meramente acessório, em meio a uma lista de costureiros, jogadores e cantores que, como o Tiririca campeão, não sabem para o que serve um deputado, mas sabem muito bem do que se servem os deputados.
É a imagem do Congresso indo ladeira abaixo, aumentando o desequilíbrio entre os três Poderes. Quanto mais forte o Executivo, mais fraco o Legislativo, num país onde o presidencialismo já é um dos mais fortes do mundo democrático e os presidentes acham que podem cada vez mais. Em algum momento, é preciso dar um basta. Mas com Tiriricas é que não será.