Origem do tumulto na zona do euro foi a própria criação da moeda única
Quedas de avião jamais têm apenas uma causa, como infelizmente se tornou lugar-comum dizer no Brasil. O tombo de países do euro também não. Mas se pode marcar o momento inicial das histórias que se emaranharam e deram na crise europeia. O detonador da crise da zona do euro foi a própria criação do euro, em 1999. A adoção da moeda única por então 11 países estimulou o crescimento dos países da “periferia” e incentivou seu endividamento. “Periferia”: Portugal, Grécia e Irlanda.
FALSAS “ALEMANHAS”
A adoção do euro e os acordos econômicos da unificação monetária provocaram uma baixa dos juros exigidos para financiar governos e empresas na eurozona. As taxas de juros ficaram próximas das exigidas à Alemanha, economia maior da região.
Com o euro, baixou muito o risco de desvalorização da moeda (quando a moeda perde valor, o credor de um país perde dinheiro). Os acordos do euro de resto exigiam baixa inflação e limitavam o endividamento. Ou seja, situações que aumentam o crédito (capacidade de pagar) de um país. Cai assim o risco de perdas e calotes. Como resultado, caem os juros.
Juros baixos estimularam o crescimento, que incentivou mais endividamento tanto público como privado.
Mas vários países da eurozona não eram “Alemanhas”. Devido a muitos motivos, os custos de produção (como salários) cresceram; a eficiência das empresas não aumentou. Os produtos dos países periféricos encareceram.
O crescimento alto elevou a receita de impostos, o que incentivou governos a gastarem mais -a se endividarem.
O excesso de consumo privado e de gastos de governos, além da ineficiência de suas economias, levou a “periferia” a exportar menos, importar mais: a ter deficits externos crescentes. Parte importante de tais deficits foi financiada por capital externo: com mais dívida externa.
O dinheiro fácil chegava, em parte, devido à disposição irresponsável de emprestar por parte dos mercados financeiros, que não percebiam os riscos ou os ignoravam, até estimulando o endividamento (caso da Grécia).
O relaxamento dos controles sobre a finança, a “criação” de dinheiro por meio de instrumentos financeiros complexos e a baixa mundial de juros no período foram também condições da crise.
Na Espanha e, em especial, na Irlanda, a situação foi agravada pelos empréstimos excessivos e ruins de bancos, que estimularam “bolhas” no setor privado (bolha: investimento excessivo em setor que não dará o retorno esperado, como os imóveis espanhóis).
FIM DA FESTA
A crise de 2008 nos EUA levou a Europa à recessão.
Com o crescimento menor, caiu a receita dos governos que, para atenuar a crise, aumentaram as despesas. Elevaram gastos sociais ou de estímulo econômico. Para evitar tumulto financeiro maior, governos se endividaram ainda mais a fim de salvar bancos da falência ou para comprá-los, o que foi especialmente grave na Irlanda.
Dívidas públicas explodiram; a capacidade de pagar (de arrecadar mais) caiu mais devido ao baixo crescimento econômico. As exigências de credores e do “governo” europeu de corte de gastos, a partir de 2010, reduziram ainda mais o crescimento. E, pois, a capacidade de pagar.
O “mercado”, abalado por perdas na crise de 2008 e agora consciente da fragilidade das contas de vários países, passou a exigir juros muito altos para refinanciá-los, começando pela Grécia. A ameaça de calote grego provocou a alta dos custos da dívida da periferia da eurozona, que se tornaram impagáveis.