ARITMÉTICA DE CONVENIÊNCIA NA EDILIDADE

Maurício Costa Romão

 Revoltada com a decisão da Câmara Municipal de Cachoeira do Sul (RS) que, em outubro passado, aumentou o número de seus vereadores de 10 para 15, segmentos organizados da sociedade cachoeirense, embalados por mais de 10 mil assinaturas, entraram na justiça e conseguiram que fosse marcado para o dia 20 deste mês um referendo no qual se decidiria se a extemporânea medida deveria ser revogada ou não. 

Infelizmente, no dia 14 do corrente, o referendo foi suspenso pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Ficou, todavia, o exemplo edificante da sociedade cachoeirense que se rebelou e foi às ruas contra esse exercício de corporativismo da edilidade e seu reiterado descaso com a opinião pública.

 O que a população normalmente não sabe, pela tecnicalidade do assunto, é que por trás dessas manobras sorrateiras de inchar os Legislativos municipais está o propósito de suas excelências de garantir as suas próprias reeleições.

 Com efeito, os nobres vereadores descobriram uma maneira simples e direta de interromper a trajetória ascendente do quociente eleitoral que atormenta suas vidas. Esta variável é fruto da divisão dos votos válidos do pleito pelo número de vagas no Parlamento. Quanto mais elevado o quociente, mais difícil é a ascensão às Câmaras, tanto das atuais excelências, quanto das futuras.

 Pois bem, com a quase inexorável tendência dos votos válidos crescerem a cada eleição, só existe uma maneira de baixar o quociente eleitoral para facilitar a entrada de candidatos às Câmaras: aumentar o número de vagas legislativas, numa proporção maior do que o crescimento dos votos válidos.  E é isso que suas excelências estão fazendo pelo Brasil afora: inflando o divisor para neutralizar o dividendo e com isso diminuir o quociente.  A operação infelizmente deixa resto, que sobra para o contribuinte.

A Câmara Municipal de Cachoeira do Sul, não obstante o clamor da população da cidade, deu esse lamentável mau exemplo ao aumentar o número de seus vereadores em 50%, pegando carona na Emenda Constitucional 58/2009.

 Através desse expediente, os edis cachoeirenses golpearam o quociente eleitoral da próxima eleição em aproximadamente 1.824 votos. As projeções apontavam para um quociente em 2012 gravitando no entorno de 5.472 votos válidos. Agora, com o aumento de 50% no divisor, a projeção do quociente baixa para algo ao redor de 3.648 votos.

 A criatividade de suas excelências extrapola ainda o campo aritmético e desemboca no retórico. Argumentam os nobres edis que o aumento de efetivo justifica-se por possibilitar “maior representatividade para as populações municipais”, seja lá o que isso quer dizer. Alegam ainda que estão apenas cumprindo a Carta Magna, fazendo uma “readequação” do número de vereadores devido ao crescimento populacional (detalhe: a EC 58 não obriga a fazer esta “readequação”).

 Por fim, suas excelências enfatizam que não haverá aumento de despesas para os municípios, pois os repasses dos executivos (duodécimos) continuarão dentro dos limites máximos permitidos pela EC 58. Ora, o caput do art. 29-A da Constituição, mantido pela EC 58, apenas determina que esses repasses não possam ultrapassar os limites fixados. Em nenhum lugar diz que os repasses devam ser feitos nos limites máximos.

 Portanto, para as prefeituras que não estão transferindo para o legislativo os limites máximos (cerca de 40% delas), haverá aumento de despesas por conta da “readequação” da edilidade. E para aquelas que já repassam os tetos, a sangria nos cofres públicos será feita por meio de outras rubricas. Quosque tandem?

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Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia, é consultor da Contexto Estratégias Política e de Mercado, e do Instituto de Pesquisa Maurício de Nassau. mauricio-romao@uol.com.br

 

 

 

 

 

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